domingo, 15 de dezembro de 2013

ESPECIAL DO LIVRO " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA " PARTE 106


Cartaz do filme " Desmundo" gravado em  Ubatuba em 2001"
Imagem não faz parte do livro  : Ubatuba, espaço, memoria e cultura"



Desmundo (2001) é um filme de Alain Fresnot, mostra a realidade dos primeiros portugueses que se estabeleceram no Brasil durante o período da colonização. A maioria destes de origem “duvidosa”, personagens toscos e rudimentares são caracterizados de acordo com os propósitos da luta pela sobrevivência e a conquista da selva e das terras. Caçar índios e transforma-los em negócio era o motivo que impulsionava a ação destes primeiros advindos a terra brasilis. 




O diretor de Desmundo convida a seus espectadores a examinar com detenção a história das mulheres que eram trazidas da Europa para se casar com os fidalgos de ultramar. A personagem principal, chama-se Oribela (Simone Spoladore), ela é uma dessas órfãs recolhidas que vem ao Brasil para se casar com Francisco (Osmar Prado) , um dos degradados que se havia dignificado na conquista de terras e escravos que trabalhavam para ele nas suas propriedades.

O choque frontal entre Oribela, educada em um convento e o violento Francisco, fica ainda mais tenso quando entra em cena o mercador judeu e convertido ao cristianismo – por uma questão de conveniência, Ximeno Dias (Caco Ciocler), com o qual Oribela cai em graças.

A produção do filme está baseada no romance, do mesmo nome, de Ana Miranda que relata a solicitação feita por Manuel da Nóbrega ao rei João VI de Portugal, que enviasse mulheres brancas para contrair matrimônio com o remanescente da casta lusitana a fim de impedir a miscigenação e de formar uma espécie de elite colonial. Este romance feminino é narrado pela boca da órfã que no silêncio faz florescer seu saber, na tentativa de se posicionar socialmente. Nisto se baseia a travessia interior da personagem que encontra nos signos da selva a rota de seu próprio enredo, circunscrito ao imaginário religioso: “este mundo é um desterro e nós, estrangeiros”. A fidelidade documental do romance se dá no encontro desses interesses místicos com o imaginário do português degradado vivendo em função de seus instintos. A alteridade com o novo mundo confere à obra seu eixo narrativo – tensão pela fuga.

O filme foi também rodado em Ubatuba, na Poruba, onde foi construída uma aldeia cenográfica. Falado em português arcaico, o filme recria a época do “encontro” e o desencontro de interesses e motivações, mas trata-se do mesmo lugar referente, a Poruba de Ubatuba, pequena aldeia de pescadores, “do Dico e do seu Antônio”, descendentes dos portugueses que ali chegaram um dia. Poruba é rodeada pelo mistério da mata, cantada pelos passarinhos, cheia de gente na alta temporada, mas solitária e silenciosa o resto do tempo.

A mídia cinematográfica tem achado em Ubatuba um lugar ideal para encenar as sagas históricas da época da “descoberta”, a paisagem natural é um convite para a contemplação do espaço real e para o gozo dos sentidos, entretanto, essas interferências técnicas da mídia trazem à tona um outro espaço cheio de mistérios – o humano, que se define na transposição, não é difícil imaginar o abismo que separa qualquer adaptação em um outro suporte original. Não se trata portanto de respeitar palavra por palavra o argumento original, aquilo 


que é de fato: impossível. Uma boa adaptação no cinema, é uma versão que não trai o chamado núcleo significativo – ideológico, fundamentais do texto ao qual se apela: conteúdos básicos que não se sujeitam ao detalhe argumental. Em cada transposição cinematográfica há uma opção sobre a resignificação da obra transposta que oscila entre o privilégio do tema e dos traços de estilo individual e da época em que se vive.


A memória com o passar do tempo vai perdendo nitidez, para ver até que ponto, vencedores e vencidos foram os reais protagonistas na construção de uma cultura e de uma identidade capazes de perpetuar o tempo no imaginário brasileiro. Ao longo dos capítulos deste livro, percebemos a importância substancial da pesquisa para aproximarmos com menos ingenuidade os acontecimentos históricos que podem vir a fazer parte de narrativas ficcionais, mais próximas das verdadeiras motivações que arquitetaram a cultura brasileira e das quais os meios de comunicação social podem usufruir com maior proveito, sem excluir o comparecimento desbordante dos verdadeiros donos da terra, isto é, aqueles que lutaram por conquistá-la: índios, caiçaras e negros; migrantes e imigrantes, por fazer de Ubatuba, como de qualquer outro lugar do Brasil, o lugar seguro para aquecer seus sonhos de futuro.

TEXTO EXTRAIDO DO LIVRO.............UBATUBA , ESPAÇO, MEMORIA  E  CULTURA - EDITADO EM  2005


CONTINUA  .......SEQUENCIA A SER PUBLICADA EM 17 DE DEZEMBRO 2013



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