sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Complemento da série `Anjos da saúde´ - parte 2 -FINAL




O relato do Seu Filhinho sobre os médicos deixou muito a desejar: vários nomes de médicos errados, além disso, não há datas, tornando-se sem valor histórico. Na minha pesquisa não encontrei alguns médicos que ele citou, inviabilizando a procura por falta de datas. A minha relação de médicos foi extraída dos atestados de óbitos.
Página nº 108 - Nesta página ele joga uns confetes nos médicos: “Theófilo, Miguel, Juscelino, Adolpho, Davidson, Amauri e Francisco”, que não têm nada a ver com o Posto de Saúde, eram médicos da Santa Casa e chegaram aqui durante e depois do prefeito Matarazzo, ainda não tinham amizade com ninguém.
Continua Seu Filhinho: “Mas, vieram também aqueles que não se conformavam com a Farmácia do Filhinho: como o Dr. José Carlos de Miranda (o correto é João), Dr. Alencar Abdalla (o correto é Antônio), Marcio de Meira Campos (o correto é Marcial de Moura Campos), Pedro de Mello (o correto é Paulo).
“Para ilustrar a assertiva falemos ao menos de um desses, o Dr. José Carlos de Miranda, que veio com exclusiva finalidade política de me combater, de me derrotar, decidido a quebrar a crista do boticário vitorioso”.
Antes do Seu Filhinho deixar o cargo de prefeito, o Dr. Miranda conseguiu reabrir o Posto de Saúde em abril de 1938 em caráter definitivo, derrotando e quebrando a crista do boticário vitorioso.






Página nº 204-205 - Seu Filhinho relata sobre a primitiva penicilina dissolvida com água destilada, mantida na geladeira, para aplicações fracionadas de três em três horas. “Um dia Mocinha revoltou-se: (mulher dele) - Você não vai mais aplicar injeções durante a noite. À noite, outros as poderão fazer em seu lugar. O Bordini, o Trajano, o Guatura, o Serpa poderão fazer isso. Você não, você não fará mais. Concordei. Meus fregueses foram encontrando outras pessoas para desempenhar tarefa que, aliás, não durou muito. Apareceu logo a Penicilina G. Potássica, de efeito retardado, cujas aplicações eram feitas em média de 24 em 24 horas, durante o dia”.
Seu Filhinho só aplicava essas injeções nos seus eleitores de cabresto e mais uma meia dúzia aqui do centro que podiam pagar. Os simpatizantes do farmacêutico Seu Filhinho negam-se a entender que ele era comerciante, tinha uma farmácia, era a única na cidade e não podia dar remédios. O médico do Posto de Saúde receitava a penicilina, quem podia pagar ia comprar na farmácia do Seu filhinho, e ele ia aplicar. Mas como a maioria não podia, sobrava para os supracitados, iam de casa em casa, durante toda a madrugada, sem nada cobrar e nem podiam porque aqui no centro quase todos tinham laços de família. Os que moravam nos bairros eram internados na Santa Casa para o tratamento que dificilmente não passava dos três dias.
Seu Filhinho disse: “Mas, nem com isso acabaram-se os importunos em minha casa. Era comum, durante o almoço, chegar até o refeitório um dos empregados, dizendo que alguém, na farmácia, queria falar comigo. Se eu indagava o assunto, o empregado respondia que não sabia. Tal pessoa queria falar diretamente comigo. Levantava-me. O fulano queria saber se podia tomar Biotônico, ou se devia esperar o resguardo dos quarenta dias. E tantas outras bobagens. Mas eles queriam ouvir a resposta de mim, cara-a-cara, de viva voz”.
Neste episódio veja a resposta que o empregado trouxe lá do refeitório a este tal fulano que queria falar com o Seu Filhinho de viva voz. - SEU FILHINHO ESTÁ ALMOÇANDO, E QUANDO SEU FILHINHO ESTÁ ALMOÇANDO... TODOS DEVEM ESTAR ALMOÇANDO TAMBÉM.
Este fulano saiu da farmácia furioso e foi direto para o centro, na praça Nóbrega (Antiga Praça do Programa) e bradou para os quatro cantos da cidade o que tinha acontecido, o povo na rua ficou indignado.
Quem foi o autor dessa frase? Um dos empregados? Um membro da família? Ou do próprio seu Filhinho? A ligação da frase com o relato do seu Filhinho tem tudo a ver. Ele, querendo ser prefeito pelo voto direto, com esta resposta indigesta, seja lá ela de quem foi, partiu lá do refeitório. Politicamente foi um desastre e perante os eleitores de cabresto e os simpatizantes pior ainda.
Página nº 205-206-207. Seu Filhinho diz: “Numa madrugada, neste momento o relógio da sala fez soar cinco badaladas. Cinco horas! E lá de fora um freguês gritava: - Seu Filhinho, tô com pressa, vô saí agora mesmo para Picinguaba. A canoa tá na rampa me esperando. Será que sinhô pode me arranjá uma garrafa de água inglesa? Dona Mocinha (mulher), perguntou: - Você vai levantar-se? Vai atendê-los? - Sim - respondi -, mas vou castigá-lo um pouco. Vou fazê-lo esperar algum tempo. Quando na sala o relógio soava seis badaladas, satisfeito com o castigo que impusera ao freguês. Abrindo a porta e chegando no terraço, lá estava no lado de fora junto ao gradil, um caiçara com uma papeleta na mão: - Seu Filhinho, o senhor pode fazer o favor de me arrumar estas injeções? Com a receita nas mãos, um tanto atordoado, vacilante, indaguei: - Mas... e a água inglesa? Para que você quer a água inglesa? - Eu não quero a água inglesa, quero só as injeções para minha mulher que tá pra dá a luz, mas esperando pra aplicar. Quando eu cheguei tava aqui um home que eu não conheço. Como o sinhô tava demorano, ele não quis esperá e foi s’imbora. Eu fiquei porque perciso, né? Essa, a primeira vez que tentei castigar um freguês! A primeira... e a última”.
Esta é a verdadeira história do cotidiano da minha cidade, relatada na série “Construindo o passado”, especialmente para “Anjos da saúde”, apesar de que muitas coisas não se podem falar, mas eu acho que este relato é o suficiente para os leitores tirarem suas dúvidas e conclusões. Para mim, o importante não é saber o que os simpatizantes anônimos do farmacêutico pensam de mim e sim o que eu sei quem eles são.
“Tenho o prazer em ser vencido quando quem me vence é a razão seja quem for o seu procurador” (Fernando Pessoa). Inspirado em frases do célebre Bob Marley, aprendi a me preocupar mais com minha consciência do que com minha reputação. Porque consciência é o que somos e reputação é o que os outros querem pensar da gente. Tenho consciência tranqüila de que faço as coisas com o coração, que sou justo, que sou guerreiro, que amo intensamente. Que vôo alto e chego longe, mas pelos meus méritos, sem pisar ou passar a perna em ninguém! O que me credencia a dizer que tenho uma boa reputação. Pessoas do mal não me verão assim. Sinto muito, mas, honestamente, isso é problema delas. Não vivo pra agradar quem pouca ou duvidosa índole tem. Quero orgulhar meus filhos, meus parentes e meus amigos - os de verdade! E é nisso que me foco.
Ubatuba, 24 anos de ditadura cultural e, eu não vejo perspectivas para mudanças.
A série “Construindo o passado” se encerra aqui, mas, as investigações e pesquisas continuam, e poderá voltar a qualquer momento.
“Apenas a verdade ofende” - ditado francês.
Um abraço.
Até a próxima.

Nota do Editor: Francisco Velloso Neto, é nativo de Ubatuba. E, seus ancestrais datam desde a fundação da cidade. Publicado no Almanak da Provícia de São Paulo para o ano de 1873. Envie e-mail parathecaliforniakid61@hotmail.com.

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