Foto de arquivo do Blog Ubatubense
O exame atento da realidade caiçara nos levou à
praia do Camburi para entrevistar a um ícone desta cultura, Genézio dos Santos
de 73 anos cuja sabedoria e vivência são sinônimos dos descendentes de
quilombolas. Nascido e criado no Camburi, homem de muitas vidas, sobreviveu a
um naufrágio com seus 17 anos durante um dia inteiro, sendo levado pela
correnteza contra a costeira, superou a nove internações e uma pneumonia. Mas
nada disso impede do homem que tem sede e fome da sua bandeira brasileira, de
palestrar a todos os que o procuram para relatar tudo que os seus olhos já
viram...
Procurado por grupos de historiadores, turistas,
escritores e repórter de lugares diversos, senhor Genézio é reconhecido no
exterior. Já esteve até no senado em Brasília, acompanhado pelo senhor Inglês
de 65 anos - também caiçara, morador do bairro- através do Projeto Martim
Pescador. Descendente do mestre Basílio,
quilombola, senhor Genézio diz ter nascido em berço de ouro, pois a fartura que
a mãe terra oferecia na hora da colheita, era a maior riqueza que um homem
poderia almejar. Plantava-se banana, batata doce, mandioca doce, inhame,
taiova, milho, cana, que era usado tanto para consumo próprio quanto na
alimentação dos animais domésticos como, porcos e galinhas.
O homem naquela época – explica o entrevistado -
pescava seis meses, semeava e cultivava outros seis. A liberdade do homem era o
trabalho, até onde o suor e a força braçal suportavam. Ele diz que o progresso
é bom, mais tem um preço, pois o rio antes navegável onde servia de agasalho
para os peixes, hoje com a Rodovia Rio Santos, virou um mangue pobre e
assoreado. A natureza que tudo dava, hoje somente pode ser olhada e apreciada.
Movido pela fé, ele acredita que há de chegar o dia em que os governantes hão
de olhar para o Camburi, ponto final do estado de São Paulo, onde a luz
elétrica, a estrada e tantas outras reivindicações são os maiores objetivos da
comunidade. Acredita que com esta estrutura
possa organizar melhor a vinda de turistas, que hoje usam a praia para
acampar ao invés dos campings - na baixa estação- não pagando nada por isso. Ele
e os outros moradores gostariam de uma orientação de quem tem o conhecimento de
outras fontes de renda, porque com setenta e três anos não se tem mais a força
de antes, e só de fé não consegue seu alimento, pois tudo que aprendeu durante
toda sua vida foi naquela praia e que hoje só lhe serve para contar histórias.
Senhor Genézio, fundou em 1967 o cemitério de Camburi, antes os corpos eram
levados para o Ubatumirim. Ele fala que naquela época caixão era coisa
raríssima, todos eram enterrados em redes a sete palmos da terra. Seus olhos
também testemunharam e o fazem, os aparecimentos de diversos OVNIS - objetos
voadores não identificados na região. Pai de sete filhos de criação, ele deixa
uma mensagem aos jovens: “Que escutem o conselho e a obediência e sinceridade
de todos os familiares, para que cresçam com a mensagem do bom caminho
conseguindo na vida adulta o conforto da vida material e principalmente da vida
espiritual ao lado de Deus quando perderem o fogo da vida aqui na face da
terra”.
A entrevista realizada no Camburi nos permitiu,
graças à ajuda de Claudia de Oliveira, observar com atenção as variantes da
língua caiçara em uma transcrição quase literal do relato do entrevistado ante
nossas perguntas.
Todo
mundo criava, um criava dez, otro criava 20, otro criava 30 cabeça de porco,
né. Ai, meu pai tinha 25, 30. Então, quando foi uma época, meu pai disse ansi.
Tinha dois bem gordo, e ele achava que era muito pra mata pra família. Ai eu me
lembro como se fosse onti né. Um dia meu pai disse ansi: -Meu filho ocê vai no
vizinho, na vizinhança, onde mora seus tio e oferece quem interessa em compra
uns quilo de carne de porco, eu quero mata ele, mas acho que é muita carne pra
família, ele ta muito gordo, muito cevado. Ai eu sai de manhã, tomei o café em
casa e vim pela vizinhança, que tinha muita gente. Ai eu comecei a chega na
casa dum, na casa de outro e oferece.
Sabe
o que ele dizia ansi: Meu filho vem cá, o sofrimento que o seu pai ta sofrendo
por não acha quem compre. Ai eu ia no chiquerão, no manguerão do porco, aonde
tinha, tinha dois também, causo que todo mundo daquele lugar que o sinhô vê
hoje, todo mundo criava, então não tinha preço. Agora digo para o sinhô essa
criação o sinhô não sai no comercio para compra ração para o animal, então era
criado com a alimentação da roça, que era a alimentação dos porco, então numa
sumana era alimentado os porco com batata doce, otra sumana com abóbora cuzida
com um poquinho de sal, minha mãe lembro bem, minha mãe cuzinhava aquele
tachão, né, de abóbora todo cortado, todo picado, dexava esfria pra da aos
animal, ai comia os porco, comia as galinha, comia os pato, comia os marreco,
todos junto, tudo comia junto. Otra sumana era mandioca cozida. Esta mandioca
que já comemo frita, então a gente ia na roça trazia dois, três saco de
mandioca. Minha mãe mandava minhas irmã descasca, cortava tudo de pedaço,
cuzinhava, colocava um poquinho de sal pra dexava esfria pra da pros animal.
Então o sinhô sabe tinha uma soma de uma mistura da alimentação. Era a abóbora,
era o inhame, era a taioba, era as banana madura. O sinhô sabe que a mistura é
a vitamina melho pra criança e a criação de galinha é a banana madura. A banana
madura é acima do milho para ela bota os ovo, desmancha de bota os ovo. Então,
cosa que o sinhô não hoje aqui no Camburi.
Naquele
tempo passado... Então ela usava, a mãe da criança a tisoura na cabeceira da
cama fincada pra que a bruxa não visse o pobre imbigo da criança, isso eu ouvi
fala muitas veis.
O que
eu falo aqui pro sinhô, não ixisti, agora o eu ixistia no passado era satanás,
era o diabo, ele fazia toda a visão e aparecia em forma de que? Em forma de um
cavalo, dum cachorro grande pintado, em forma dum animal, não é! Então a turma
olhava ansi, era um lobisome, ai botava o nome ansi de lobosime, mas tudo
aquela figura. Hoje se contava que na praia, toda sexta-feira, já ouviu fala
muito isso, se encontrava duas cabeça, uma batendo na outra fazendo aquela
faísca de fogo, as vezes o viajado, pescadô contavom que tavam umas hora no
mar, contavom. Otro que ia viajando duas pessoa pelo canto da praia, purque o
sinhô sabe que naquele tempo não tinha estrada, saia no canto da praia. Então
por muitas veis a pessoa desviava daquele dois encontro, né. Então dizia: _ Ah!
Mula sem cabeça! Agora eu digo pro sinhô, sabe pruque que eu so contra estas
coisa que to contando pro sinhô pruque muito me contavom, eu num vi isto não
sinhô; eu vi otras cosas, otras cosas eu vo fala pro sinhô eu vi. Agora sabe
que eu vo dize pro sinhô, que eu não desacredito, porque o livro sagrado, a
palavra de Deus, a bíblia sagrada, que conta do começo do mundo, como foi a
criação que seu Jesus, né, veio neste mundo, crio, o céu, a terra a forma das
arvi e deu nóis aqui na face da terra. Então o sinhô não incontra lobisome, não
encontra cavalo sem cabeça, não encontra bruxa, no livro sagrado, de tudo o
sinhô encontra, menos isto. Agora satanás, o sinhô encontra. Agora fantasma,
fantasma ta no livro, agora quero dize pro sinhô, satanás como esta relatado,
ele fazia toda esta parte pra dize que era bruxa, que era cavalo sem cabeça,
pruque não esta iscrito hoje isso, o sinhô não incontra nunca.
Já ta
passado, já ta com dois ano isto. Que neste horário de verão que entro agora,
eu venho de Ubatuba, eu saio de Ubatuba 5h, no ônibus de 5h40 de lá pra cá, não
é, que a pessoa chega de dia ainda aqui. Ai eu fui no ponto, na divisa lá em
cima e vinha discendo, ai eu vinha com duas sacola, uma sacola aqui, ota aqui.
E eu não desço no ponto daquele dali pruque da cobra, pruque do cachorro, nunca
desço, quando vo viajá, escondo no mato na hora que eu venho eu pego. Ai o
sinhô sabe que eu vinha vindo, quando eu chego aqui, já na viaje pra pega o
Camburi descendo, aonde tem uma fabricação da compania dus Ingreis, tava
descendo fui peguei uma laje de pedra ali, a laje de cimento, que tem ali no
rio, na beira de cima, mas quando eu cheguei na tal da pedra do colete, que
agora não tem mais, o mar que tombou a pedra, o nome era pedra do colete, muito
bem. E eu avistei uma pessoa que ia daqui para cima na estradazinha assubindo,
e tem uma pedra grande de quaguata de mangue aqui encostado, o sinhô descendo a
direita, né. Ai eu olhei lá de cima, era o meu sobrinho o Zorinho, ali dono do
barzinho ali, aonde tivemo, onde o sinhô falo comigo ali. Só que chego numa
conta, ele foi se encostando, aquela pessoa foi encostando nesta pedra grande,
encosto e ali desapareceu. Ai eu disse ansi: _ Que negocio é esse. O camarada
ta de caso pensado, ele que faze uma tragédia ai comigo, o camarada se
escondeu.
Ai eu
fiquei meio cabrero, eu vim meu olhando, sondando. Ai o que acontece, num vi
ninguém, olhei na pedra em cima, num vi ninguem, aonde será que ta este
camarada, né? Ai tinha uma grota ansi nu fundo, ai eu digo ansi, o camarada foi
faze um necessidade e ai foi e desceu este corgão ai e foi faze uma
necessidade, ai tudo bem. Mas sondei, rodiei as pedra e num vi ninguém, de dia
craro ainda. Ai quando peguei uma distancia mais ou meno que o camarada tinha
sumido, como daqui o pé de abacate assi no pe da arvi ansi, eu pegava olha pra
trais, quando olhei pra trás o homi, né. Olhei pra traz o cidadão em pé, já o
camarada desceu, ai o sinhô vê que nisto o camarada virou muleque, aquele moço
alto, viro muleque, virou aquele mulecão, eu digo muito bem. Eu disse ansi:
_Puxa vida! O camarada é invisível, o camarada daqui eu não inxergo, quando eu
disci um pouquinho, olhei pra traz ele tava em pé. Ai eu digo ansi: _ Eu
vo vive que não menti, peguei as duas sacola que eu vinha trazendo, passei a
mão no pau. Eu digo ansi:_ Eu consigo, eu digo ansi: Em nome do sinhô Jesus, eu
digo ansi é o diabo, é o Satanás eu vo da uma paulada nele. Ai o sinhô sabe o
que é, eu passei a mão no pau, no cacete, no meu cajado que eu vinha trazendo,
passei e fui em busca dele, quando fui em busca dele ele desapareceu.
FONTE.....LIVRO.... UBATUBA ESPAÇO E MEMÓRIA,
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