A PAZ DE
IPEROIG – Logo no início deste
capítulo, fizemos referência à intervenção jesuíta no processo de colonização
portuguesa. Os padres haviam chegado de barco a Iperoig, em companhia de José
Adorno. Na chegada foram rodeados “de canoas” e deram de cara com Coaquira e
Pindabuçu. Encabeçando a expedição, ergue-se Anchieta que foi, em seguida,
reconhecido junto com Nóbrega pelos chefes índios. A imagem destes dois
jesuítas inspirava para eles respeito e consideração. Nessa ocasião, as
palavras de Anchieta foram revestidas em um discurso afável, dizendo que ambos
sacerdotes não partilhavam dos mesmos sentimentos dos portugueses que matavam e
escravizavam os índios, os lembrou daquilo que ele já tinha feito em favor das
aldeias: educar crianças, tratar doentes, consolar velhos e defender os fracos
contra os opressores (Torres, 2000:65).
Coaquira hospedou os embaixadores da paz,
oferecendo hospitalidade na Aldeia de Iperoig que seria o sitio de tais
negociações e assim foram convocados os cinco chefes da Confederação:
Cunhambebe, Aimberé, Pindabuçu, Coaquira e Araraí. Destes cinco chefes
Tupinambá, Aimberé era considerado por Anchieta o mais cruel de todos, o sucessor
de Cunhambebe que havia morrido por causa das epidemias trazidas pelos europeus
e que dizimaram grande parte dos índios. No lugar do líder, outro Cunhambebe,
provavelmente filho deste grande guerreiro que anteriormente liderou a
Confederação.
Aimberé tinha razões de sobra para não confiar nos
portugueses, pois estes o tinham aprisionado na fazenda de Brás Cuba junto com
seu pai, também a sua mulher Iguaçu na toma do Forte Coligny foi feita escrava.
Tudo isto se agravava uma vez que Anchieta traiu um segredo de confissão ao
revelar o plano de ataque dos Tamoio a Piratininga, plano confesso por
Tibiriçá, o cacique aliado dos portugueses, sogro de João Ramalho, grande
proprietário de terras e pioneiro no tráfego de escravos no Brasil.
João Ramalho era um homem lendário, possivelmente náufrago
e degradado; audacioso, aventureiro que controlava o litoral e o planalto
paulista, situando-se acima dos poderes temporais estabelecidos pela Coroa.
Possuía um harém de mulheres, entre as quais estava Bartira, sua predileta,
filha de Tibiriçá. Tinha muitos filhos, considerados “mamelucos”. Para os
jesuítas esta situação irregular de João Ramalho resultava motivo de
ex-comunhão, até ele consentir posteriormente o casamento oficial. João Ramalho
inaugurou um novo sistema de escambo com os europeus, no qual a madeira tão
prezada, o pau – Brasil foi substituído pelo escravo – indígena. Ramalho
escravizou guaianases, carijós e tupiniquim. Por esta razão, transformou-se
desde seus inícios em alvo da Confederação.
Os relatos de cronistas contam que certo dia,
Tibiriçá recebeu a visita de um emissário dos Tamoio, seu sobrinho Jogoanharo,
filho de Araraí seu irmão, que trazia noticias de Aimberé, desejoso de contar
com ele na luta da Confederação. Aimberé queria de volta Tibiriçá a seu antigo
povo, e assim superar o conflito entre Tupinambá e Tupiniquim. Tibiriçá
sentiu-se honrado com o convite, no entanto, questionava sobre o tempo do
ataque que seria no prazo de três luas, pedindo um adiamento a seu sobrinho.
Este último fala da impossibilidade da postergação, até porque ele era apenas
um emissário da notícia, mas volta confiado na adesão para dar a boa nova ao
povo Tamoio.
Anchieta percebe que logo após este acontecimento,
Tibiriçá não estava em paz consigo, angustiado, o velho cacique Tupiniquim,
procura o jesuíta que o induz à confissão. O plano dos Tamoio foi um segredo de
confessionário violado por José de Anchieta, em uma tentativa de salvar o
exercício de seu apostolado, politicamente engajado. Assim, Anchieta orienta o
líder Tupiniquim a voltar a sua posição original em favor dos interesses
religiosos e políticos da Coroa, que ele representava, e conta para João
Ramalho quando o ataque aconteceria, a idéia era preparar os portugueses para o
ataque. Dessa batalha, os Tamoio saíram vitoriosos, mas com muito ódio de
Tibiriçá que terminou matando seu próprio sobrinho Jogoanharo.
Por estas e outras razões, Aimberé não confiava nos
padres intercessores da paz, que deveria ser selada na aldeia de Iperoig.
Anchieta sabia que o líder da Confederação estava à par do seu jogo e temia a
fúria daqueles chefes índios que os haviam deixado em cativeiro.
A primeira assembléia da Confederação foi
tumultuada, as queixas contra os portugueses eram: atrocidades, traições,
incêndios, intrigas e capturas de índios tratados a ferro de escravos. A voz de
Aimberé fez se ouvir em toda a aldeia de Iperoig: “A libertação de todos os
Tamoio escravizados e a entrega dos caciques que se haviam unido com os
inimigos”. Os jesuítas não aceitaram a proposta e Aimberé os ameaçou com o seu
“tacape”. Segurado pelo braço, o grande chefe Aimberé, tumultuou a sessão que
encerrou sem nenhum acordo de paz. Nóbrega propõem uma nova assembléia, mas os
índios encontravam-se divididos: uns queriam a paz, outros a continuidade da
guerra que começaria com a morte dos padres.
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