quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (V)


O que seria dos caiçaras se não fosse a mandioca?



         "Quando veio a primeira família desses casamentos, desse encontro desses homens com a minha família, então veio um moreno mais escuro que puxou pelas mães; veio outro mais branco que puxou pelos pais. Bom: esses meninos, essas meninas no Camburi. Quando veio a segunda família, algumas casaram até com moço de fora também; outros casaram aqui no lugar. Aí já vieram os brancos, já vieram os cabelos amarelos, os olhos azuis, os olhos castanhos. E agora continua a minha família e cada vez mais com a descendência das pessoas brancas, pessoas claras, pessoas brancas... E aí o senhor saiba que misturou tudo.

 Então hoje eu tenho na minha família descendência de escravos, descendência de índios, de guarani... Tudo junto na minha família. E acabando que essas famílias virou tudo descendência de escravos. É como eu digo pra minha sobrinhada aqui: amanhã ou depois, ou quando vier um repórter saber de vocês... Não é? Eu fecho os olhos; não vou ficar para semente mesmo. Você vai dizer: ‘Eu não descendente de escravos. Eu não sou’. Você até pode dizer: ‘Eu sou descendência de italiano, de francês...’ Não é bem isso não. Vocês têm que contar a verdade, que é: os avós de vocês; os avós de vocês eram tudo nego. Era nego mesmo! Nego fechado mesmo!"
J.R.: Esses negros tinham vindo de onde?
Genésio: "Da África. Agora eu digo para o senhor, como eu tenho falado aqui, agora falei na Assembleia Legislativa, perante o advogado: Eu sou negro, eu quero dizer para os senhores aqui, na mesa, que eu sou negro conforme os senhores estão vendo. Agora, eu tenho fome e sede da minha bandeira brasileira. Por que eu digo isso? Eu nasci aqui, no litoral de São Paulo; permaneço até hoje, com a idade que eu tenho, com oitenta anos, no Estado de São Paulo. Não vou, posso até dizer para os senhores, que eu não tenho sangue africano. Pode ter. Posso ter sangue de africano; de muitos anos até pode ter, mas eu tenho a dizer para os senhores: eu nasci no ponto final indo daqui de São Paulo para o norte, para mim é o ponto final, fazendo divisa com o Estado do Rio de Janeiro. Hoje estou com essa idade, lutando, não é? Mas eu nasci ali. Então, eu sou brasileiro. Não nasci na África; não nasci em país nenhum lá fora. Nasci aqui; na nação brasileira aqui, no litoral. Então a minha cidade é a comarca de Ubatuba. Então o senhor sabe que, hoje, conversando um dia com um japonês, ele falou assim para mim: ‘Seu Genésio, a descendência é um que puxa o último degrau’. Tá entendendo?  É buscar e vim assubindo para cima. Então, é como eu falei ainda agora, falei lá na roça para o Jairo, que o combate lá na Assembleia foi isso aí. Então, quando... quando... e agora esse encontro sobre o quilombo, aqui no Camburi, que hoje nós lutamos, levemos cinco anos na luta do quilombo, aqui, para que nós, quando o ‘Parque’ entrou, aqui, a Reserva [Parque Estadual da Serra do Mar] entrou aqui, nós ficamos aqui castigados, ficamos com algemas nos pés, com algemas nas mãos, que nem bandido. Eu falei assim na Assembleia, antes de ontem, como bandido, sem culpa nenhuma, né? Levando cabo de revólver na cabeça – da Polícia Florestal. Como eu disse lá, eu disse lá para os deputados: Nossos deputados, todos quanto estão nos ouvindo aqui nesta tarde, aqui na Assembleia, que é a casa das leis, escutem aqui, quero fazer uma pergunta para os senhores: Eu, ou os senhores que estão aqui, ocupam um lugar de ser um policial, um sargento, um tenente, um capitão, um major... um comando. E o senhor tem os seus empregados. Então: eles estão para fazer as leis ou desfazer das leis? Eu achava por bem que, eu ocupando um cinturão na minha cintura, o revólver na cinta, uma algema, eu vou trabalhar no clube da lei, no certo da lei; não desfazer da lei. Então foi o que aconteceu no Camburi sobre o Parque, sobre a Reserva. Eu quero falar para os senhores que a Reserva, um Parque, eu, no meu conhecimento, no meu tipo de viver, no meu conhecimento – nada eu sei – mas tem que ser uma reserva para os insetos, para os bichos; a conservação para os animais, de bichos, né? Não pode ter moradores nenhum, não pode ter moradores. Agora eu digo para os senhores: o Camburi tem habitação há mais de trezentos anos. Tenho certeza do que estou falando aqui na mesa: há mais de trezentos anos! Foi reconhecido já, há mais habitação que foi do tempo dos escravos ali no Camburi. Agora pergunto aos senhores: há mais de trezentos anos reconhecido. Agora, lá, o Parque lá, assubiu há quinhentos, trezentos anos? Não. Não".

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