sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ESPECIAL " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA " - PARTE 56





Pensando haver capturado um peró , os Tupinambás pretendiam, com sua morte, vingar seus antepassados e amigos. Hans Staden esperava um golpe mortal a qualquer momento, então chorava muito e rogava a Deus pedindo sua proteção. Selvagens de várias aldeias brigavam pelo direito a um pedaço do alemão, e o chefe da tribo decidiu exibi-lo vivo para que todos o vissem e se deleitassem com a visão da futura vítima , durante uma festa regada a cauim, um tipo de bebida feita à base de mandioca fermentada. Amarraram pelo pescoço de Hans Staden e o colocaram em uma das canoas para seguir viagem de volta à aldeia de origem.


A viagem foi longa, com paradas em ilhas onde Hans Staden era tratado como um animal caçado e que em breve seria abatido e devorado. O sofrimento do alemão só estava começando. Em meio a muita aflição e tristeza ele cantava com lagrimas nos olhos e do fundo do coração o salmo: “Do fundo da miséria clamo pelo Senhor”. Os indígenas o mantiveram amarrado com uma corda no pescoço em uma árvore, ridicularizando-o ao mesmo tempo em que gritavam: Chê reimbaba idé, que quer dizer: “Você é meu animal aprisionado”.

 Os Tupinambá costumavam remar durante o dia. Certa vez, ao cair da noite, uma tenebrosa tempestade se anunciava provocando medo entre indígenas. fazendo com que estes pedissem ao alemão a intercessão junto ao seu Deus, para que a chuva e o vento não trouxessem danos a sua tribo. Hans Staden atendeu ao pedido, orando ao Senhor do céu e da terra, mostrando a sua misericórdia para os descrentes que o tinham capturado.  Aconteceu, que logo as nuvens negras  se afastaram e o alemão agradeceu à Deus que mais uma vez tinha ouvido sua súplica trazendo bom tempo.  Mesmo ante a eminência do milagre, os selvagens mantiveram-no amarrado por cautela.

 Após três dias de viagem se aproximavam de suas habitações que estava a 30 milhas marítima (55.560 km) de percurso. Quando chegaram à aldeia, lugar chamado de Ubatuba, Staden observou que se tratava de uma aldeia com sete cabanas frente a uma praia[1]. O alemão foi forçado pelos índios a gritar em alto e bom som enquanto entrava na aldeia: Aju ne xé pee remiurama. – querendo dizer: “Estou chegando, sou a vossa comida”.

O prisioneiro foi entregue às mulheres que o rodeavam, cantando e dançando. No interior da caiçara, uma fortificação de longos e grossos varapaus, formava uma grande cerca. As mulheres jogaram-se contra o alemão e o golpearam, arrancando-lhe a barba e dizendo a cada golpe: Xe nama poepika aé. – quer dizer: “Com este golpe vingo o homem que foi morto pelos teus amigos”. Enquanto isso, os homens, em outra cabana, cantavam em honra dos seus ancestrais com maracás, chocalhos usados para dar ritmo as suas danças regadas a muito cauim.

Hans Staden ainda não tinha conhecimento dos costumes Tupinambá, então não podia imaginar o que lhe aconteceria a seguir, só tinha a certeza que seria devorado. Dois irmãos, Nhaêpepô-oaçu e Alkindar-miri,  que o tinham capturado, pretendiam dá-lo de presente ao irmão do pai: Ipiru-guaçu, provando o grande laço afetivo entre eles[2]. De novo entregue às mulheres, o alemão era puxado, pelo braço e pela corda que levava amarrada ao pescoço, dificultando a sua respiração. Staden foi arrastado até uma cabana do chefe Guaratinga-açu - Grande Pássaro Branco,  fizeram–no  sentar e uma das mulheres raspou suas sobrancelhas e queria cortar a sua barba, mas ele não  permitiu. E, com dignidade e fé, esperava o final de sua agonia que tardava a chegar

Entregue a Ipiru-guaçu,, um selvagem que o guardaria durante o tempo de sua permanência na aldeia, foi conduzido a uma cabana, onde vários líderes sentaram –se a sua volta e começaram a conversar. Falaram à respeito de uma profecia sobre  um português  que seria capturado e Hans Staden , declarando-se amigo e parente dos franceses, tenta  esclarecer o equivoco  mas  encontra dificuldade em convencê-los,  pois conheciam sua ligação com os portugueses.

Os selvagens esclareceram ao cativo a relação amistosa que mantinham com os franceses, que os presenteavam com objetos como facas, espelhos, machados e outros utensílios e em troca, recebiam dos nativos o pau-brasil, algodão, pimenta, etc, . Já com os portugueses era uma relação de animosidade, marcada pela traição, pois,  num um primeiro contato, os Tupinambá , foram capturados e entregues pelos portugueses aos adversários Tupiniquim, que gozavam da amizade dos lusos  Muitos deles foram mortos com ajuda dos portugueses e devorados pelos selvagens,  seus inimigos tradicionais.
Não conseguindo, através de seus argumentos, convencê-los que nada tinha a ver com a profecia, Hans Staden insistiu que não deveria ser morto antes de encontrar algum dos franceses que viviam entre os selvagens e que poderiam reconhecê-lo

Certo dia chegou a aldeia dos Tupinambá um francês chamado por eles de Caruatá-uára que morava a umas milhas dali. Sabendo da captura do artilheiro alemão foi lá constatar este fato. Hans Staden ficou feliz achando que de alguma forma o francês ajudaria, pois parecia ser um bom cristão. Em uma rápida conversa com o alemão não entendeu nada do que o alemão falava, dizendo logo em seguida aos selvagens que poderiam matá-lo, pois se tratava de um verdadeiro português, inimigo deles. Hans Staden, pensou no versículo no versículo bíblico do profeta Jeremias: “Amaldiçoado seja o homem que confia nos homens”. Então, abatido e muito triste voltou à sua cabana, deitou-se na rede, desamparado, cantava outros versículos em voz trêmula enquanto os selvagens preparavam a festa onde o matariam.

Cunhambebe era um dos mais distintos chefes dos Tupinambá. Morava em uma aldeia próxima a qual o alemão capturado se encontrava, chamada Ariró.  Ele reuniu-se em uma festa regada a cauim com outros chefes que foram para ver o alemão e Hans Staden, foi levado ao encontro de Cunhambebe, o grande cacique. Ao chegar a aldeia, Hans Staden viu várias cabeças de Maracajá, inimigos dos Tupinambá, espetadas em mourões se apavorou  sentindo-se prefigurado nesses crânios expostos. Cunhambebe tinha fama de ser um grande guerreiro e tirano, gostava de devorar seus inimigos. Hans Staden, ousadamente, foi em direção de quem lhe parecia ser Cunhambebe e disse: “Você é o Cunhambebe, você ainda vive?” – Ele respondeu olhando-o ferozmente: “Sim, eu ainda vivo.” - Staden disse: “Então muito bem, ouvi falar muito de você, e que você é um homem muito habilidoso.” Cunhambebe levantou-se e todo cheio de satisfação andava de um lado para o outro na frente do alemão. Observando-o, Staden reparava em todos seus adornos, atitudes e gestos que o faziam parecer o mais poderoso entre os caciques Tupinambá. Cunhambebe sentou-se a sua frente e ficou fazendo perguntas sobre seus inimigos portugueses e os Tupiniquim, querendo saber o que o alemão achava deles e se planejavam algo contra eles. Hans Staden, entre outras coisas disse que preparavam uma frota de 25 barcos e em breve atacariam, as aldeias Tupinambá.

Os selvagens continuavam a zombar do alemão ao mesmo tempo em que bebiam muito o cauim. O filho do Cunhambebe ameaçou Hans Staden e prendendo-lhe as pernas, amarraram seus pés fazendo o pular por toda a cabana. , de forma constrangedora. Aos gritos diziam: “Lá vem nossa comida pulando!” e apalpavam cada parte do seu corpo escolhendo o pedaço que pretendiam devorar. Na manhã do dia seguinte seria levado à Ubatuba onde seria morto


[1] Este lugar chamado Ubatuba, aldeia esta onde Hans Staden permaneceu por cerca de nove meses, está localizada em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Indo contra a idéia mais conhecida de ter sido especificamente em Ubatuba, cidade do litoral norte de São Paulo, onde estivesse ocorrido o episódio do cativeiro. (ver Hans Staden – Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil, Rio de Janeiro – sem data).
[2] O gesto dos dois irmãos para com seu tio Ipiru-guaçu, relatado por Hans Staden confirma a idéia descrita nos itens anteriores do nosso livro sobre os fortes laços parentais entre os Tupinambá. Tais mostras de amizade e fraternidade determinavam o valor do patrimônio ancestral e familiar como o princípio e fim da honra Tupi que impulsionava a estes guerreiros do litoral brasileiro ante a eminente chegada e invasão dos estrangeiros.



CONTINUA   ....CONFIRA A PARTE 57  - NO DIA   31/DEZEMBRO/2011...

Com a publicação da sequencia deste livro ( UBATUBA, ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA )...A PARTIR DA PAGINA   177.............


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