domingo, 18 de dezembro de 2011

ESPECIAL LIVRO " Ubatuba, memória, espaço e cultura "...Parte 55




O grupo que seguiu pelo mar chegou nas proximidades de São Vicente, cujo nome indígena era Upaû-nema, ocupada pelos portugueses e reconhecida por alguns dos navegantes como um local com possibilidade de fretar uma nova embarcação. Era necessário conseguir um navio maior que abrigasse toda a tripulação e assim pudessem chegar até o Rio da Prata. Mas no caminho, se defrontaram novamente com tempestades e grandes rochedos, na passagem que fizeram pela ilha de Alcatrazes para se abastecer de mantimentos. Muita névoa e o escuro da noite fizeram com que se afastassem do continente e seguindo a orientação de um dos camaradas que dizia saber o caminho avistaram novamente a costa e o porto de São Vicente.


Mas ainda em meio ao mar muito agitado e tempestuoso, a tripulação se viu envolvida num terrível espetáculo protagonizado pelas forças da natureza em que estas se sagraram vencedoras, levando a nau vencida ao naufrágio. Agarrando-se aos pedaços de madeiras, os náufragos conseguiram chegar em terra firme. Mais uma vez, para Hans Staden, Deus havia ajudado todos a saírem daquele mar furioso com vida.

A tripulação parecia estar completamente perdida naquela terra desconhecida, sem saber se estavam perto ou não de São Vicente. Um dos camaradas, o francês Cláudio, consegue localizar um povoado, uma aldeia de portugueses que se chamava Itanhaém. Depois de explicar o ocorrido aos habitantes daquele povoado, toda a tripulação recebeu ajuda, roupas limpas e alimentação. Dias depois, tendo se recuperado seguiram viagem, duas milhas até São Vicente. Lá, foram bem acolhidos pelos portugueses e permaneceram por algum tempo trabalhando para o auto –sustento, Hans Staden, descreveu a ilha de São Vicente e a situação dos portugueses que ali viviam dizendo tratar-se de uma ilha próxima a terra, com dois povoados, um São Vicente e outro Enguaguaçu. Na ilha predomina a produção do açúcar em engenhos chamados também de “quintas”. A aldeia dos selvagens Tupiniquim, amigos dos portugueses, ficava nesta ilha estendendo seus domínios mata adentro, longe das costas. Mas, outras tribos, outros selvagens inimigos dos Tupiniquim e dos portugueses também ocupavam essas terras: Ao sul, os Carijós e ao norte os temidos guerreiros Tupinambá também chamados na região de Tabajara, quer dizer donos da taba, aldeia ou casa principal destes índios litorâneos.

Bertioga era um povoado onde os Tupinambá costumavam chegar em expedições guerreiras, confrontando-se com os portugueses e os Tupiniquim. Nas suas investidas, alcançavam São Vicente, por isso os portugueses construíram um forte com a intenção de proteger-se dos Tabajara, impedindo com que avançassem ilha adentro Mesmo com este forte, os Tupinambá conseguiram invadir  o povoado de Bertioga e aprisionar seus moradores. Mataram e despedaçaram os corpos dos vencidos, distribuindo-os entre si e, vitoriosos, voltaram para suas aldeias ao norte da região.

Como Bertioga era um lugar estratégico, os portugueses decidiram fortificá-la ao máximo para defender a região e o povoado onde desejavam viver. Os Tupinambá, muito astutos e valentes, ainda assim conseguiram avançar e alcançar São Vicente fazendo muitos prisioneiros, devastando casas e aprisionando seus moradores. Os pêros, forma como os portugueses eram chamados pelos indígenas, construíram uma casa do outro lado de Bertioga, na ilha de Santo Amaro, ocupando-a com uma artilharia pesada, numa tentativa de impedir o avanço dos selvagens inimigos. Mas, ainda temerosos e não totalmente confiantes na segurança do local, convidaram o artilheiro Hans Staden para o reconhecimento. Ele concordou em permanecer por quatro meses na ilha, controlando os inimigos, mediante pagamento e com algumas pessoas a sua disposição. Após esse período um encarregado do Rei de Portugal, deveria vir com navios e construir um forte melhor.

Vencido o prazo estipulado, o alemão foi sondado pelo então Governador a ficar mais dois anos neste posto.  Foi-lhe prometido, que ao final do prazo, poderia voltar a Portugal e receber uma recompensa pelos seus serviços, estando essas cláusulas estabelecidas em um contrato feito em nome do Rei. No forte, Staden se manteve por esse tempo, reforçando a fortificação com pedras e com canhões , os quais ficaram sob sua responsabilidade e guarda.

Hans Staden tinha como escravo um Carijó, selvagem que o protegia e costumavam ir à caça juntos, adentrando-se na floresta. Certo dia, o alemão mandou seu escravo caçar sozinho. Passado os dias, Staden foi então, ao encontro do seu carijó na floresta quando uma gritaria rompeu por todos os lados da mata. Eram os Tupinambá, que o cercaram com arcos e flechas e o maltrataram com socos, pontapés, golpes de lança, deixando-o nu. Entre os Tupinambá, deu-se uma feroz briga pela captura de Hans Staden. Resolveram então levá-lo até o mar onde suas canoas beiravam a praia. Outros indígenas vieram também em direção do artilheiro alemão, considerado a partir desse momento um prisioneiro cujo destino era morte num ritual antropofágico. 

Pensando haver capturado um peró , os Tupinambás pretendiam, com sua morte, vingar seus antepassados e amigos. Hans Staden esperava um golpe mortal a qualquer momento, então chorava muito e rogava a Deus pedindo sua proteção. Selvagens de várias aldeias brigavam pelo direito a um pedaço do alemão, e o chefe da tribo decidiu exibi-lo vivo para que todos o vissem e se deleitassem com a visão da futura vítima , durante uma festa regada a cauim, um tipo de bebida feita à base de mandioca fermentada. Amarraram pelo pescoço de Hans Staden e o colocaram em uma das canoas para seguir viagem de volta à aldeia de origem.

A viagem foi longa, com paradas em ilhas onde Hans Staden era tratado como um animal caçado e que em breve seria abatido e devorado. O sofrimento do alemão só estava começando. Em meio a muita aflição e tristeza ele cantava com lagrimas nos olhos e do fundo do coração o salmo: “Do fundo da miséria clamo pelo Senhor”. Os indígenas o mantiveram amarrado com uma corda no pescoço em uma árvore, ridicularizando-o ao mesmo tempo em que gritavam: Chê reimbaba idé, que quer dizer: “Você é meu animal aprisionado”.


ESPECIAL DO LIVRO  " UBATUBA , ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA "  SEQUENCIA DIA 24 DE DEZEMBRO 2012...Pagina  173...    parte 56

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