sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA NA SERRA DO MAR





A construção de uma cultura se dá no cerne de uma sociedade e o meio para alcançar este desafio do tempo é a memória. A memória fala das raízes, daquilo que nos liga às coisas e aos lugares, à natureza e à cidade. Recuperar o vigor do tempo devolve ao espaço o esplendor, a força e o sentido. Assim, nos interessa como já pontuamos no início desta obra, desenvolver uma fenomenologia do espaço imaginário - contido na memória viva da comunidade local - que se une à consciência atual dos habitantes de Ubatuba, cidade situada na serra do mar.


O imaginário é, construído e expresso por meio de símbolos. Desta forma, a imagem de Ubatuba se constitui em representação de uma idéia mental traduzida em imagens, palavras ou conceitos de uma realidade exterior. A experiência de percepção do espaço ubatubense nos fez passear pelos atrativos naturais e culturais que fazem desta cidade um destino turístico, mas a verdadeira redescoberta baseia-se no valor da memória Tupinambá inscrita na terra dos Tamoios, cativeiro de Nóbrega e Anchieta e o lugar de Paz da outrora Iperoig.

Ação e representação estão ligadas ao imaginário cultural de Ubatuba, apesar da carência de registros escritos, a memória caiçara tem um papel preponderante na hora de reconstruir os alicerces desta cultura litorânea tão importante para a história do Brasil. Eclea Bosi, no seu livro, Memória e Sociedade (2001), cita Henri Bergson: “O corpo, interposto entre objetos que agem sobre ele e os que ele influencia, não é mais que condutor, encarregado de recolher os movimentos e de transmiti-los, quando não os detém, a certos mecanismos motores, determinados se a ação é reflexa, escolhidos se a ação é voluntária” (Bergson, 1959 apud Bosi, 2001:45). A autora nos oferece uma reflexão relevante do ponto de vista da produção de conhecimento, parafraseando Bergson, diz que a percepção dispõe do espaço na exata proporção em que a ação dispõe do tempo. Este talvez seja o paradigma que justifica nosso último capítulo. O corpo neste contexto tem dupla significação, refere-se ao corpo material e objetivo do indivíduo, assim como também ao corpo imaginário e subjetivo encarnado em uma sociedade.

Toda história depende – como diz Paul Thomson – de sua finalidade social (Thomson, 1998:20). Por esta razão, a transmissão cobrava um papel importante e era feita de geração em geração, pela tradição oral ou pela crônica escrita como mencionamos na introdução ao capítulo da antropologia cultural. A função social da história de uma comunidade como Ubatuba compromete mais do que o conhecimento, o reconhecimento do potencial cultural da região. Por meio da história local, a cidade de Ubatuba pode buscar um sentido para sua própria natureza turística ou pesqueira, promovendo mudanças e fazendo com que turistas e visitantes possam adquirir uma percepção das raízes através do conhecimento da cultura local.

O interesse em reconstruir a memória social de Ubatuba, no decorrer de sua vida cívica, nas representações da mídia, na voz dos “filhos da terra” e na daqueles que, de uma ou outra forma, fixaram seu olhar sobre a cidade, constitui um desafio à pesquisa e à produção de conhecimento. Para tanto, nos empenhamos em compilar dados históricos em fontes primárias, documentos oficiais que colocam Ubatuba no cenário nacional brasileiro. Indagamos sobre os meios de comunicação social e a imagem que estes veiculam, usando a cidade como cenário de obras televisivas e cinematográficas, assim como também sondamos o desenvolvimento da imprensa e rádio local. Mas, o momento crucial serão as entrevistas feitas a historiadores, artistas, velhos, mulheres , negros e caiçaras que neste livro têm a última palavra, pela força da paixão revelada no relato de suas histórias e estórias de Ubatuba.

Estes nossos entrevistados são mediadores entre o presente e o passado da cidade, intermediários informais da cultura, visto que existem mediadores formais como a universidade, a escola, a igreja, a prefeitura, etc., e que existe a transmissão de valores, conteúdos, atitudes, também constituintes dessa cultura (Bosi, 2003:15). Participamos da aventura de ser ouvintes atentos a nossos narradores, com os quais viajamos a distância temporal para situarmos no território dos sonhos, dos afetos, das imagens, das impressões e intuições que foram comunicadas.

A metodologia de pesquisa nos foi revelando, no decorrer deste trabalho, uma forma de montagem baseada em fontes documentais e orais. Passamos da reflexão teórica à prática da entrevista e a sua transcrição para, finalmente, analisar e interpretar o fenômeno de interação entre o ser humano e o espaço.

Nesta última fase, nos interessa salientar o contexto histórico social em que uma pluralidade de culturas: descendentes de portugueses, índios e negros, mas também da mestiçagem ao longo dos anos com a presença de holandeses, franceses e espanhóis fizeram surgir o caboclo do litoral – o caiçara, um homem em comunhão com a serra do mar. A terra e o mar são prolongamentos das comunidades e com ambos o caiçara vive em verdadeira comunhão espiritual, respeitando-os como fontes de vida – diz Dalmo Dallari no prefácio do livro, Genocídio dos caiçaras, de Priscila Siqueira (1984).

A oralidade - como já mencionamos, em forma de hipótese, parece ser de fundamental importância na configuração desta cultura na serra do mar, pois representa um meio primário de comunicação e agregação no sentido de integração social. De fato, o registro da voz dos próprios protagonistas do acontecer em Ubatuba, confere a nosso livro, um caráter participativo e nos impele a interpretar o imaginário que aparece nas representações sociais como um fenômeno espacial de conotações humanas em um processo de humanização.

Mas, tem um motivo que nos mobilizou o tempo todo nesta pesquisa, despertar às instituições públicas e privadas para olhar Ubatuba como um potencial aberto do ponto de vista turístico, investindo na cultura local, na sua história e na preservação do meio ambiente com o qual foi abençoada.


JUAN DROUGUET
e JORGE OTAVIO FONSECA
ESCRITORES DO LIVRO UBATUBA, ESPAÇO , MEMÓRIA E CULTURA.
Editado em 2005

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