A construção de uma cultura se dá no cerne de uma
sociedade e o meio para alcançar este desafio do tempo é a memória. A memória
fala das raízes, daquilo que nos liga às coisas e aos lugares, à natureza e à
cidade. Recuperar o vigor do tempo devolve ao espaço o esplendor, a força e o
sentido. Assim, nos interessa como já pontuamos no início desta obra, desenvolver
uma fenomenologia do espaço imaginário - contido na memória viva da comunidade
local - que se une à consciência atual dos habitantes de Ubatuba, cidade
situada na serra do mar.
O imaginário é, construído e expresso por meio de
símbolos. Desta forma, a imagem de Ubatuba se constitui em representação de uma
idéia mental traduzida em imagens, palavras ou conceitos de uma realidade
exterior. A experiência de percepção do espaço ubatubense nos fez passear pelos
atrativos naturais e culturais que fazem desta cidade um destino turístico, mas
a verdadeira redescoberta baseia-se no valor da memória Tupinambá inscrita na
terra dos Tamoios, cativeiro de Nóbrega e Anchieta e o lugar de Paz da outrora
Iperoig.
Ação e representação estão ligadas ao imaginário cultural
de Ubatuba, apesar da carência de registros escritos, a memória caiçara tem um
papel preponderante na hora de reconstruir os alicerces desta cultura litorânea
tão importante para a história do Brasil. Eclea Bosi, no seu livro, Memória e Sociedade (2001), cita Henri
Bergson: “O corpo, interposto entre objetos que agem sobre ele e os que ele
influencia, não é mais que condutor, encarregado de recolher os movimentos e de
transmiti-los, quando não os detém, a certos mecanismos motores, determinados
se a ação é reflexa, escolhidos se a ação é voluntária” (Bergson, 1959 apud
Bosi, 2001:45). A autora nos oferece uma reflexão relevante do ponto de vista
da produção de conhecimento, parafraseando Bergson, diz que a percepção dispõe
do espaço na exata proporção em que a ação dispõe do tempo. Este talvez seja o
paradigma que justifica nosso último capítulo. O corpo neste contexto tem dupla
significação, refere-se ao corpo material e objetivo do indivíduo, assim como
também ao corpo imaginário e subjetivo encarnado em uma sociedade.
Toda história depende – como diz Paul Thomson – de
sua finalidade social (Thomson, 1998:20). Por esta razão, a transmissão cobrava
um papel importante e era feita de geração em geração, pela tradição oral ou
pela crônica escrita como mencionamos na introdução ao capítulo da antropologia
cultural. A função social da história de uma comunidade como Ubatuba compromete
mais do que o conhecimento, o reconhecimento do potencial cultural da região.
Por meio da história local, a cidade de Ubatuba pode buscar um sentido para sua
própria natureza turística ou pesqueira, promovendo mudanças e fazendo com que
turistas e visitantes possam adquirir uma percepção das raízes através do
conhecimento da cultura local.
O interesse em reconstruir a memória social de
Ubatuba, no decorrer de sua vida cívica, nas representações da mídia, na voz
dos “filhos da terra” e na daqueles que, de uma ou outra forma, fixaram seu
olhar sobre a cidade, constitui um desafio à pesquisa e à produção de
conhecimento. Para tanto, nos empenhamos em compilar dados históricos em fontes
primárias, documentos oficiais que colocam Ubatuba no cenário nacional
brasileiro. Indagamos sobre os meios de comunicação social e a imagem que estes
veiculam, usando a cidade como cenário de obras televisivas e cinematográficas,
assim como também sondamos o desenvolvimento da imprensa e rádio local. Mas, o
momento crucial serão as entrevistas feitas a historiadores, artistas, velhos,
mulheres , negros e caiçaras que neste livro têm a última palavra, pela força
da paixão revelada no relato de suas histórias e estórias de Ubatuba.
Estes nossos entrevistados são mediadores entre o
presente e o passado da cidade, intermediários informais da cultura, visto que
existem mediadores formais como a universidade, a escola, a igreja, a
prefeitura, etc., e que existe a transmissão de valores, conteúdos, atitudes,
também constituintes dessa cultura (Bosi, 2003:15). Participamos da aventura de
ser ouvintes atentos a nossos narradores, com os quais viajamos a distância
temporal para situarmos no território dos sonhos, dos afetos, das imagens, das
impressões e intuições que foram comunicadas.
A metodologia de pesquisa nos foi revelando, no
decorrer deste trabalho, uma forma de montagem baseada em fontes documentais e
orais. Passamos da reflexão teórica à prática da entrevista e a sua transcrição
para, finalmente, analisar e interpretar o fenômeno de interação entre o ser
humano e o espaço.
Nesta última fase, nos interessa salientar o
contexto histórico social em que uma pluralidade de culturas: descendentes de
portugueses, índios e negros, mas também da mestiçagem ao longo dos anos com a
presença de holandeses, franceses e espanhóis fizeram surgir o caboclo do
litoral – o caiçara, um homem em comunhão com a serra do mar. A terra e o mar
são prolongamentos das comunidades e com ambos o caiçara vive em verdadeira
comunhão espiritual, respeitando-os como fontes de vida – diz Dalmo Dallari no
prefácio do livro, Genocídio dos
caiçaras, de Priscila Siqueira (1984).
A oralidade - como já mencionamos, em forma de
hipótese, parece ser de fundamental importância na configuração desta cultura
na serra do mar, pois representa um meio primário de comunicação e agregação no
sentido de integração social. De fato, o registro da voz dos próprios
protagonistas do acontecer em Ubatuba, confere a nosso livro, um caráter
participativo e nos impele a interpretar o imaginário que aparece nas
representações sociais como um fenômeno espacial de conotações humanas em um
processo de humanização.
Mas, tem um motivo que nos mobilizou o tempo todo
nesta pesquisa, despertar às instituições públicas e privadas para olhar
Ubatuba como um potencial aberto do ponto de vista turístico, investindo na
cultura local, na sua história e na preservação do meio ambiente com o qual foi
abençoada.
JUAN DROUGUET
e JORGE OTAVIO FONSECA
ESCRITORES DO LIVRO UBATUBA, ESPAÇO , MEMÓRIA E CULTURA.
Editado em 2005
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