Imagem de arquivo do Blog UBATUBENSE - Não faz parte do Livro
Ubatuba, espaço, memoria e cultura "
conhecimento de varias coisas. Foi
esse maratá, por exemplo, que lhes deu a mandioca, que é a raiz com a qual se
faz o pão (pois até então, só se alimentavam nossos pais com as raízes
silvestres)” (D’Évreux apud Métraux 1979:) Ao perceber que os antepassados não levaram em conta suas palavras, afastou-se
deixando como testemunha de sua passagem registros na rocha, sinais escritos de
seus ensinamentos, imagens de seus pés.
A tradição Tupinambá menciona a
visita de homens brancos, vestidos e com barba que falavam de um Deus e de uma
outra vida, um dos quais se chamava Tomé e que os ensinou a plantar e colher a
mandioca. Os traços humanos tão recorrentes nos textos sobre os pés são,
segundo Métraux, vestígios da erosão, sendo assinalados apenas nas proximidades
do mar e do curso das águas, chamavam a atenção dos Tupinambá que
achavam que era obra de seu grande herói civilizador.
Thevet refere-se às
lendas dessas pedras nas quais podiam observar-se sulcos de verga ou de vereta,
assim como os traços de pés atribuídos ao grande caraíba, Tatá, que tinha
transmitido o conhecimento e uso do fogo e a maneira de cultivar certas raízes,
pois antes os selvagens, iguais aos animais, alimentavam-se de folhas, ervas e
frutas produzidas pelas árvores. Os silvícolas conservavam essas pedras como
verdadeiros totens. Conta –se que após a morte de Irin – Pagé e de seus
seguidores transmutados em estrelas brilhantes, Coroubsoux, isto é, o sol,
ordenou às demais estrelas que em recordação de Monan conduzissem as santas
pedras para a terra com o fim de levar à humanidade a reverenciá-las, em
memória ao ilustre caraíba.
A chegada dos europeus, excêntricos
estrangeiros com seus maravilhosos objetos enriqueceu os velhos mitos Tupinambá
com novos elementos, no entanto, os europeus eram considerados filhos de seu
herói civilizador ou o próprio herói que tinha voltado ao mundo em companhia de
seus auxiliares.
Tupã é outro
herói civilizador do povo Tupinambá, o demônio do trovão. Cabe salientar que
quando os missionários quiseram encontrar um correspondente a seu Deus,
escolheram, ante a falta de expressão – diz Métraux – Tupã como o nome
equivalente a “coisa sagrada e misteriosa”, no qual os Tupinambá viam a
manifestação de um poder sobrenatural. Tupã é o autor do trovão e dos
relâmpagos, sendo o criador do raio, tal onipresença celeste confere a este um
poder significativo na mitologia Tupinambá. Para Thevet é só uma personagem
secundária, quando os homens queimaram Irin – Pagé, provocou-se um milagre,
abriu-se a cabeça deste com tal impetuosidade e tão horroroso estrondo que o estampido atingiu o céu, daí em diante Tupã
virou trovões e relâmpagos, não tendo o relâmpago predecessor, o significado do
fogo e isto é o que fica em maior evidência neste relato.
Dois fatos merecem a nossa atenção, a
associação que a passagem estabelece entre Tupã e o trovão e, a relação
existente entre o fenômeno e o incidente de vida de Irin – Pagé, um dos grandes
heróis civilizadores. Portanto, Tupã foi criado logo após as metamorfoses
sucessivas sofridas por um dos ancestrais Tupinambá.
A questão missionária parece estar
ligada ao habitat celeste e ao poder sobre os elementos naturais, mais do que
aos atributos divinos da onipotência, onisciência e onipresença. Esta questão
reforça a nossa hipótese de como os Tupinambá se relacionavam com seu universo
simbólico construído em função dos poderes e na força da natureza.
Os gênios da mata são na mitologia Tupinambá, seres sobrenaturais pertencentes a duas
categorias: potências malévolas e espíritos propriamente tais. Thevet recolhe
tradições que falam do diabo com distintos nomes como Yurapiri. Segundo os
missionários advindos ao Novo Mundo, este espírito do mal, guarda uma estreita
relação com o diabo da religião católica. Sob a dependência deste espírito,
outros agem em função dessa causa escura da humanidade. Yurapiri teria sido um
empregado de Deus que devido a suas maldades foi dispensado do serviço divino.
Tal demônio odeia a humanidade e impede com que as chuvas garantam a coleta de
sobrevivência, maltrata os homens inspirando-lhes o medo e traindo-os diante da
guerra contra os inimigos da tribo. Yurapiri é um demônio que “não presta e não
vale nada”, associado em algumas oportunidades aos espíritos dos mortos e ao
perambular por aldeias abandonadas, especialmente onde estão sepultados os
corpos de seus parentes.
A natureza de Yurapiri está
relacionada com o lugar que este freqüenta, isto é, com os bosques. É uma espécie
de duende túpico, ogre ou divindade que aparece de acordo com cada tribo, em
nenhum caso, afirma Métraux, opondo-se a Yves d’ Évreux, tem a ver com a alma
dos mortos.
Os Tupinambá estabeleceram certa
afinidade entre Yurupari e certas aves cujo canto ou aspecto pudessem inspirar
sentimento de terror. Algumas das lendas chegam a sugerir intimidade sexual
entre este espírito do mal e as aves de rapina.
Agnan ou Anhangá é um ser comparável
a Yurupari, cuja ação principal era atacar as pessoas vivas, causando o maior
terror entre os Tupinambá. Agnan provocava grandes violências repentinas em
público, mas sob uma forma invisível. Os índios que relataram possessão deste
espírito do mal afirmavam vê-lo na forma de um animal, de uma ave ou de
qualquer outra forma esquisita. Para defender-se dos ataques desse malévolo que
lhes ocasionava angústia, os Tupinambá não saiam de noite sem levar consigo um
archote[1].
Agnan ficava perto de túmulos abertos, devorando cadáveres quando nestes não
eram depositados alimentos e bebidas de acordo com o costume. Agnan surge na
mitologia Tupinambá episodicamente, no final da história dos gêmeos míticos, no
papel do ogro, com o qual os dois “manos” entram em luta. Os gêmeos fazem deste
personagem o bode expiatório, sem recear nenhuma represália por parte do mesmo.
Métraux interpela missionários e
viajantes na ora de afirmar que Agnen é um “diabo” e atribui como causa desta
confusão o caráter homonímico das palavras “añanga” e “agn” que é um
designativo de alma, também com “angueré” que significa as almas destacadas do
corpo. Talvez Agnen, um simples espírito da mata foi promovido pelos
missionários, o mesmo que Tupã, à dignidade de diabo, em virtude dos malefícios
causados por estas entidades à humanidade Tupinambá.
Kurupira é outro demônio das matas,
protetor da caça e muito mal humorado a respeito dos homens. Sua forma mais
conhecida entre os Tupinambá é a de um homenzinho que anda com os pés para
trás. Kupira é uma imagem própria do litoral à qual Anchieta faz referência nas
suas cartas. Para o jesuíta, os cupiras eram os espíritos que assaltavam os
índios na floresta, açoitando-os, maltratando-os e até matando-os. Por esta
razão, os selvagens - diz José de Anchieta, depositam flores e outros objetos
em oferenda a tais demônios.
Os coropiras, cupiras e outras
designações achadas nas tradições Tupinambá são fantasmas de Kurupira,
desdobramentos deste espírito de aspecto humano, pois tinham a cabeça pelada e
a semelhança dos Tupinambá andavam nus no só no meio da mata, mas também nas
praias.
Um outro espírito é reconhecido na
mitologia Tupinambá com o nome de Macachera, espírito das estradas que vai à
frente do viajante, os Tupinambá viam nesse demônio um inimigo da saúde.
O padre José de Anchieta descreve nas
suas epístolas que havia também nos rios outros fantasmas, Igpupiára, isto é,
aqueles que moram na água e que também costumavam matar os índios. Os que
viviam nas proximidades do mar ou dos rios eram chamados de Beatatá, que quer
dizer, coisa de fogo ou todo fogo. Anchieta provavelmente se referia ao
espírito dos mortos com os quais os Tupinambá lidavam ante a falta de um Deus.
Os espíritos nas crenças Tupinambá
perambulavam por toda parte, principalmente na mata e em lugares escuros,
manifestando-se de forma sinistra. Os espíritos dos mortos freqüentavam a
proximidade das tumbas e seu comportamento era hostil em relação aos homens,
causavam doenças, dificultavam o devir das chuvas e propiciavam a derrota na
guerra. Estes espíritos agrediam fisicamente e atormentavam os índios de
diversas maneiras.
Os “diabos” Tupinambá são segundo
Métraux, os próprios mortos que Thevet descreve em episódios de navegação que
os indígenas faziam pelo mar o pelos rios. Os índios atribuíam às almas de seus
parentes e amigos mortos, a causa de tais incômodos, o modo de espantar esses
espíritos era lançando oferendas na água com o fim de aplacar a fúria das
tormentas onde estes se revelavam.
Os espíritos apareciam sob a forma de
animais estranhos e bizarros, pássaros negros como morcegos e salamandras, eram
mensageiros do além tumular. Alguns destes espíritos mudavam de cor e emitiam
sons estranhos, a sua presença redobrada e os ataques se davam de noite, para
espantá-los e ver-se livre deles, os índios acendiam fogueiras e cercavam a
entrada de suas ocas. A cólera destes impertinentes era aplacada com a oferenda
de penas ou com amuletos em forma de escudo feitos de madeira com palmeiras
pintadas de preto e vermelho, representando um homem nu, recomendação esta dada
pelos pajés.
O êxito dos missionários católicos no
processo de evangelização se deve ao fato de usar o símbolo da cruz para manter
os espíritos que faziam mal da aldeia afastados. Entretanto, existiam também os
espíritos benevolentes, os Apoiaueué que atraiam as chuvas, protegiam as plantações
e a integridade física dos indígenas. O comportamento destes espíritos do bem
era atribuído ao exorcismo dos pajés.
Alfred Métraux constata que no século
XVI, o animismo estava a ponto de evoluir para o fetichismo, uma mostra desta
evolução cultural eram as tentativas do culto, de ritos na demarcação de
lugares sagrados e da representação material de seres superiores por meio de
objetos de temor e de veneração por parte dos índios Tupinambá.
As cabaças imitavam o rosto humano,
objeto que os pajés levavam consigo, com o intuito de representar a
configuração material desses espíritos. A cabaça seria uma espécie de máscara
enquanto mistério da alma humana, pelos menos assim aparece no contexto da
civilização na maioria das tribos que reconhecem a força mediadora deste objeto
como um mistério de transação. Os feiticeiros entravam nas choças escuras
portando estas cabaças desenhadas com traços humanos, o “pay” – pajé começava
então a falar mudando de voz para ganhar as oferendas oferecidas aos espíritos.
O espírito contido nas cabaças era consultado antes de qualquer combate,
ornamentadas com penas e reverenciadas com sacrifícios por parte do pajé.
Nas imediações da aldeia, no meio do
mato existia um lugar de retiro onde o curandeiro consultava os espíritos, para
lá levava consigo fogo, água, carne, peixe, milho, legumes, penas coloridas e
flores. Preparava um sacrifício em honra dos ídolos queimando resina,
acreditava-se que assim o feiticeiro entrava em contato com os espíritos. O
maracá, instrumento musical feito de cabaça no qual se introduziam sementes ou
pedras era uma espécie de chocalho atravessado por uma flecha, enfeitado de
tufos de penas de arara. O ruído produzido pelo maracá representava a voz dos
espíritos, revestidos de todas as virtudes capazes de satisfazer qualquer
desejo dos indígenas. Por meio destes rituais competem pela posse do maracá
mais eloqüente e impelem aos ouvintes para a guerra e para trazer à tribo a
carne dos inimigos. Os caraíbas, pajés ou feiticeiros iam de aldeia em aldeia
vestidos com os mais esplendorosos vestidos e plumagens, usufruindo a comida e
a bebida do cauim por semanas, tamanho era o poder mediador destes em relação
aos espíritos nestas festas religiosas.
O feiticeiro
na mitologia Tupinambá era um membro da tribo dotado de poderes mágicos
adquiridos por “inspiração”. Pessoas de experiência que sabiam dos ritos
praticados em favor do destino do grupo. A arte da feitiçaria, portanto,
consistia no domínio do conhecimento e poucos conseguiam a perfeição. Para ser
um feiticeiro de nome entre os Tupinambá havia que se submeter a provas de
talento, onde por meio de passes de mágica o candidato devia sarar doentes e
fazer profecias comprováveis. O feiticeiro presidia as cerimônias religiosas e
as danças, considerado, em última instância, pelos missionários como santidade
ou o homem sagrado.
Os pays ou pajés exerciam seu oficio
de modo itinerante, nas regiões ocupadas pela tribo de sua raça. Inspiravam
poder, receio e até divinização. Eram recebidos nas aldeias com grandes honras:
cânticos, danças, cauim e até os habitantes chagavam a limpar o caminho por
onde esses mediadores passavam. O terror que inspiravam esses feiticeiros
permitia aos mesmos ter tudo o que desejavam, sua autoridade era incontestável[2].
Entre as principais atribuições dos
pajés estavam: o predizer a fertilidade e estiagem dos anos; o resultado de
qualquer empresa individual ou coletiva; agir sobre os fenômenos naturais e,
provocar doença ou morte naqueles que merecessem tais castigos. O poder da
feitiçaria estava baseado nas relações dos pajés com os espíritos.
O feiticeiro Tupinambá tinha entre
outras funções ouvir as mulheres, moças,
casadas ou solteiras em confissão, atividade desenvolvida com muita
freqüência, mas não se sabe qual era o propósito deste costume, afirma Métraux.
Era aplicada uma absolução apesar de que não se guardava segredo deste ato de
intimidade, talvez esse ato estivesse relacionado com as proscrições referentes
à vida sexual na tribo. Outro costume, no qual os feiticeiros também participavam
ativamente, era nas purificações públicas com a aspersão de água ou no encher
de grandes potes de barro proferindo palavras na superfície destes e soprando
dentre deles com fumo.
A Antropofagia
foi um dos principais ritos Tupinambá. Durante os combates, estas tribos
procuravam capturar seus prisioneiros. Com este propósito carregavam cordas que
enrolavam em torno de seus próprios corpos. A estratégia de combate a certa
distância era justamente para desarmar o inimigo e aprisioná-lo vivo. A captura
do inimigo era uma façanha individual e por esta razão, o cativo pertencia a
quem tivesse conseguido tal proeza em primeiro lugar, mas com o calor da
contenda resultava difícil determinar quem era o verdadeiro executor, ou seja,
a quem pertencia esta honra. Travavam-se entre os próprios Tupinambá ferozes
brigas. Nestes casos, matava-se o prisioneiro o mais rápido possível e
repartiam-se as carnes entre todos os componentes da expedição. O chefe de cada
tribo alegava os direitos de seus vencedores com intuito de conduzir para sua
tribo o prisioneiro vivo a fim de que as mulheres pudessem celebrar o fato de
acordo com os costumes ancestrais.
[1] Archote é uma espécie de pira de fogo que os
índios utilizavam para guardar distância das entidades sobrenaturais.
[2] Etimologicamente a palavra pajé significa aquele
que diz o fim, o profeta da aldeia. A passagem de pajé para caraíba era por
meio do reconhecimento social da tribo, uma espécie de santidade adquirida por
virtudes manifestas em atos. O caraíba uma vez em posse deste título: pajé – açú
gozava deste privilégio de ser considerado um descendente direto dos heróis
civilizadores. Toda caraíba era pajé, mas nem todo pajé era caraíba.
CONFIRA A PARTE 50 , a ser publicada no dia 24 /11/2011....
PAGINA 153 EM DIANTE...
Nenhum comentário:
Postar um comentário