quinta-feira, 17 de novembro de 2011

ESPECIAL " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA.......Parte 49

Imagem de arquivo do Blog UBATUBENSE - Não faz parte do Livro
Ubatuba, espaço, memoria e cultura "


conhecimento de varias coisas. Foi esse maratá, por exemplo, que lhes deu a mandioca, que é a raiz com a qual se faz o pão (pois até então, só se alimentavam nossos pais com as raízes silvestres)” (D’Évreux apud Métraux 1979:) Ao perceber que os antepassados não levaram em conta suas palavras, afastou-se deixando como testemunha de sua passagem registros na rocha, sinais escritos de seus ensinamentos, imagens de seus pés.

A tradição Tupinambá menciona a visita de homens brancos, vestidos e com barba que falavam de um Deus e de uma outra vida, um dos quais se chamava Tomé e que os ensinou a plantar e colher a mandioca. Os traços humanos tão recorrentes nos textos sobre os pés são, segundo Métraux, vestígios da erosão, sendo assinalados apenas nas proximidades do mar e do curso das águas, chamavam a atenção dos Tupinambá  que achavam que era obra de seu grande herói civilizador. 





Thevet refere-se às lendas dessas pedras nas quais podiam observar-se sulcos de verga ou de vereta, assim como os traços de pés atribuídos ao grande caraíba, Tatá, que tinha transmitido o conhecimento e uso do fogo e a maneira de cultivar certas raízes, pois antes os selvagens, iguais aos animais, alimentavam-se de folhas, ervas e frutas produzidas pelas árvores. Os silvícolas conservavam essas pedras como verdadeiros totens. Conta –se que após a morte de Irin – Pagé e de seus seguidores transmutados em estrelas brilhantes, Coroubsoux, isto é, o sol, ordenou às demais estrelas que em recordação de Monan conduzissem as santas pedras para a terra com o fim de levar à humanidade a reverenciá-las, em memória ao ilustre caraíba.



A chegada dos europeus, excêntricos estrangeiros com seus maravilhosos objetos enriqueceu os velhos mitos Tupinambá com novos elementos, no entanto, os europeus eram considerados filhos de seu herói civilizador ou o próprio herói que tinha voltado ao mundo em companhia de seus auxiliares.

Tupã é outro herói civilizador do povo Tupinambá, o demônio do trovão. Cabe salientar que quando os missionários quiseram encontrar um correspondente a seu Deus, escolheram, ante a falta de expressão – diz Métraux – Tupã como o nome equivalente a “coisa sagrada e misteriosa”, no qual os Tupinambá viam a manifestação de um poder sobrenatural. Tupã é o autor do trovão e dos relâmpagos, sendo o criador do raio, tal onipresença celeste confere a este um poder significativo na mitologia Tupinambá. Para Thevet é só uma personagem secundária, quando os homens queimaram Irin – Pagé, provocou-se um milagre, abriu-se a cabeça deste com tal impetuosidade e tão horroroso estrondo que  o estampido atingiu o céu, daí em diante Tupã virou trovões e relâmpagos, não tendo o relâmpago predecessor, o significado do fogo e isto é o que fica em maior evidência neste relato.

Dois fatos merecem a nossa atenção, a associação que a passagem estabelece entre Tupã e o trovão e, a relação existente entre o fenômeno e o incidente de vida de Irin – Pagé, um dos grandes heróis civilizadores. Portanto, Tupã foi criado logo após as metamorfoses sucessivas sofridas por um dos ancestrais Tupinambá.

A questão missionária parece estar ligada ao habitat celeste e ao poder sobre os elementos naturais, mais do que aos atributos divinos da onipotência, onisciência e onipresença. Esta questão reforça a nossa hipótese de como os Tupinambá se relacionavam com seu universo simbólico construído em função dos poderes e na força da natureza.

Os gênios da mata são na mitologia Tupinambá, seres sobrenaturais pertencentes a duas categorias: potências malévolas e espíritos propriamente tais. Thevet recolhe tradições que falam do diabo com distintos nomes como Yurapiri. Segundo os missionários advindos ao Novo Mundo, este espírito do mal, guarda uma estreita relação com o diabo da religião católica. Sob a dependência deste espírito, outros agem em função dessa causa escura da humanidade. Yurapiri teria sido um empregado de Deus que devido a suas maldades foi dispensado do serviço divino. Tal demônio odeia a humanidade e impede com que as chuvas garantam a coleta de sobrevivência, maltrata os homens inspirando-lhes o medo e traindo-os diante da guerra contra os inimigos da tribo. Yurapiri é um demônio que “não presta e não vale nada”, associado em algumas oportunidades aos espíritos dos mortos e ao perambular por aldeias abandonadas, especialmente onde estão sepultados os corpos de seus parentes.

A natureza de Yurapiri está relacionada com o lugar que este freqüenta, isto é, com os bosques. É uma espécie de duende túpico, ogre ou divindade que aparece de acordo com cada tribo, em nenhum caso, afirma Métraux, opondo-se a Yves d’ Évreux, tem a ver com a alma dos mortos.

Os Tupinambá estabeleceram certa afinidade entre Yurupari e certas aves cujo canto ou aspecto pudessem inspirar sentimento de terror. Algumas das lendas chegam a sugerir intimidade sexual entre este espírito do mal e as aves de rapina.

Agnan ou Anhangá é um ser comparável a Yurupari, cuja ação principal era atacar as pessoas vivas, causando o maior terror entre os Tupinambá. Agnan provocava grandes violências repentinas em público, mas sob uma forma invisível. Os índios que relataram possessão deste espírito do mal afirmavam vê-lo na forma de um animal, de uma ave ou de qualquer outra forma esquisita. Para defender-se dos ataques desse malévolo que lhes ocasionava angústia, os Tupinambá não saiam de noite sem levar consigo um archote[1]. Agnan ficava perto de túmulos abertos, devorando cadáveres quando nestes não eram depositados alimentos e bebidas de acordo com o costume. Agnan surge na mitologia Tupinambá episodicamente, no final da história dos gêmeos míticos, no papel do ogro, com o qual os dois “manos” entram em luta. Os gêmeos fazem deste personagem o bode expiatório, sem recear nenhuma represália por parte do mesmo.

Métraux interpela missionários e viajantes na ora de afirmar que Agnen é um “diabo” e atribui como causa desta confusão o caráter homonímico das palavras “añanga” e “agn” que é um designativo de alma, também com “angueré” que significa as almas destacadas do corpo. Talvez Agnen, um simples espírito da mata foi promovido pelos missionários, o mesmo que Tupã, à dignidade de diabo, em virtude dos malefícios causados por estas entidades à humanidade Tupinambá.

Kurupira é outro demônio das matas, protetor da caça e muito mal humorado a respeito dos homens. Sua forma mais conhecida entre os Tupinambá é a de um homenzinho que anda com os pés para trás. Kupira é uma imagem própria do litoral à qual Anchieta faz referência nas suas cartas. Para o jesuíta, os cupiras eram os espíritos que assaltavam os índios na floresta, açoitando-os, maltratando-os e até matando-os. Por esta razão, os selvagens - diz José de Anchieta, depositam flores e outros objetos em oferenda a tais demônios.

Os coropiras, cupiras e outras designações achadas nas tradições Tupinambá são fantasmas de Kurupira, desdobramentos deste espírito de aspecto humano, pois tinham a cabeça pelada e a semelhança dos Tupinambá andavam nus no só no meio da mata, mas também nas praias.

Um outro espírito é reconhecido na mitologia Tupinambá com o nome de Macachera, espírito das estradas que vai à frente do viajante, os Tupinambá viam nesse demônio um inimigo da saúde.

O padre José de Anchieta descreve nas suas epístolas que havia também nos rios outros fantasmas, Igpupiára, isto é, aqueles que moram na água e que também costumavam matar os índios. Os que viviam nas proximidades do mar ou dos rios eram chamados de Beatatá, que quer dizer, coisa de fogo ou todo fogo. Anchieta provavelmente se referia ao espírito dos mortos com os quais os Tupinambá lidavam ante a falta de um Deus.

Os espíritos nas crenças Tupinambá perambulavam por toda parte, principalmente na mata e em lugares escuros, manifestando-se de forma sinistra. Os espíritos dos mortos freqüentavam a proximidade das tumbas e seu comportamento era hostil em relação aos homens, causavam doenças, dificultavam o devir das chuvas e propiciavam a derrota na guerra. Estes espíritos agrediam fisicamente e atormentavam os índios de diversas maneiras.

Os “diabos” Tupinambá são segundo Métraux, os próprios mortos que Thevet descreve em episódios de navegação que os indígenas faziam pelo mar o pelos rios. Os índios atribuíam às almas de seus parentes e amigos mortos, a causa de tais incômodos, o modo de espantar esses espíritos era lançando oferendas na água com o fim de aplacar a fúria das tormentas onde estes se revelavam.

Os espíritos apareciam sob a forma de animais estranhos e bizarros, pássaros negros como morcegos e salamandras, eram mensageiros do além tumular. Alguns destes espíritos mudavam de cor e emitiam sons estranhos, a sua presença redobrada e os ataques se davam de noite, para espantá-los e ver-se livre deles, os índios acendiam fogueiras e cercavam a entrada de suas ocas. A cólera destes impertinentes era aplacada com a oferenda de penas ou com amuletos em forma de escudo feitos de madeira com palmeiras pintadas de preto e vermelho, representando um homem nu, recomendação esta dada pelos pajés.

O êxito dos missionários católicos no processo de evangelização se deve ao fato de usar o símbolo da cruz para manter os espíritos que faziam mal da aldeia afastados. Entretanto, existiam também os espíritos benevolentes, os Apoiaueué que atraiam as chuvas, protegiam as plantações e a integridade física dos indígenas. O comportamento destes espíritos do bem era atribuído ao exorcismo dos pajés.

Alfred Métraux constata que no século XVI, o animismo estava a ponto de evoluir para o fetichismo, uma mostra desta evolução cultural eram as tentativas do culto, de ritos na demarcação de lugares sagrados e da representação material de seres superiores por meio de objetos de temor e de veneração por parte dos índios Tupinambá.

As cabaças imitavam o rosto humano, objeto que os pajés levavam consigo, com o intuito de representar a configuração material desses espíritos. A cabaça seria uma espécie de máscara enquanto mistério da alma humana, pelos menos assim aparece no contexto da civilização na maioria das tribos que reconhecem a força mediadora deste objeto como um mistério de transação. Os feiticeiros entravam nas choças escuras portando estas cabaças desenhadas com traços humanos, o “pay” – pajé começava então a falar mudando de voz para ganhar as oferendas oferecidas aos espíritos. O espírito contido nas cabaças era consultado antes de qualquer combate, ornamentadas com penas e reverenciadas com sacrifícios por parte do pajé.

Nas imediações da aldeia, no meio do mato existia um lugar de retiro onde o curandeiro consultava os espíritos, para lá levava consigo fogo, água, carne, peixe, milho, legumes, penas coloridas e flores. Preparava um sacrifício em honra dos ídolos queimando resina, acreditava-se que assim o feiticeiro entrava em contato com os espíritos. O maracá, instrumento musical feito de cabaça no qual se introduziam sementes ou pedras era uma espécie de chocalho atravessado por uma flecha, enfeitado de tufos de penas de arara. O ruído produzido pelo maracá representava a voz dos espíritos, revestidos de todas as virtudes capazes de satisfazer qualquer desejo dos indígenas. Por meio destes rituais competem pela posse do maracá mais eloqüente e impelem aos ouvintes para a guerra e para trazer à tribo a carne dos inimigos. Os caraíbas, pajés ou feiticeiros iam de aldeia em aldeia vestidos com os mais esplendorosos vestidos e plumagens, usufruindo a comida e a bebida do cauim por semanas, tamanho era o poder mediador destes em relação aos espíritos nestas festas religiosas.

O feiticeiro na mitologia Tupinambá era um membro da tribo dotado de poderes mágicos adquiridos por “inspiração”. Pessoas de experiência que sabiam dos ritos praticados em favor do destino do grupo. A arte da feitiçaria, portanto, consistia no domínio do conhecimento e poucos conseguiam a perfeição. Para ser um feiticeiro de nome entre os Tupinambá havia que se submeter a provas de talento, onde por meio de passes de mágica o candidato devia sarar doentes e fazer profecias comprováveis. O feiticeiro presidia as cerimônias religiosas e as danças, considerado, em última instância, pelos missionários como santidade ou o homem sagrado.

Os pays ou pajés exerciam seu oficio de modo itinerante, nas regiões ocupadas pela tribo de sua raça. Inspiravam poder, receio e até divinização. Eram recebidos nas aldeias com grandes honras: cânticos, danças, cauim e até os habitantes chagavam a limpar o caminho por onde esses mediadores passavam. O terror que inspiravam esses feiticeiros permitia aos mesmos ter tudo o que desejavam, sua autoridade era incontestável[2].

Entre as principais atribuições dos pajés estavam: o predizer a fertilidade e estiagem dos anos; o resultado de qualquer empresa individual ou coletiva; agir sobre os fenômenos naturais e, provocar doença ou morte naqueles que merecessem tais castigos. O poder da feitiçaria estava baseado nas relações dos pajés com os espíritos.

O feiticeiro Tupinambá tinha entre outras funções ouvir as mulheres, moças, casadas ou solteiras em confissão, atividade desenvolvida com muita freqüência, mas não se sabe qual era o propósito deste costume, afirma Métraux. Era aplicada uma absolução apesar de que não se guardava segredo deste ato de intimidade, talvez esse ato estivesse relacionado com as proscrições referentes à vida sexual na tribo. Outro costume, no qual os feiticeiros também participavam ativamente, era nas purificações públicas com a aspersão de água ou no encher de grandes potes de barro proferindo palavras na superfície destes e soprando dentre deles com fumo. 

A Antropofagia foi um dos principais ritos Tupinambá. Durante os combates, estas tribos procuravam capturar seus prisioneiros. Com este propósito carregavam cordas que enrolavam em torno de seus próprios corpos. A estratégia de combate a certa distância era justamente para desarmar o inimigo e aprisioná-lo vivo. A captura do inimigo era uma façanha individual e por esta razão, o cativo pertencia a quem tivesse conseguido tal proeza em primeiro lugar, mas com o calor da contenda resultava difícil determinar quem era o verdadeiro executor, ou seja, a quem pertencia esta honra. Travavam-se entre os próprios Tupinambá ferozes brigas. Nestes casos, matava-se o prisioneiro o mais rápido possível e repartiam-se as carnes entre todos os componentes da expedição. O chefe de cada tribo alegava os direitos de seus vencedores com intuito de conduzir para sua tribo o prisioneiro vivo a fim de que as mulheres pudessem celebrar o fato de acordo com os costumes ancestrais.


[1] Archote é uma espécie de pira de fogo que os índios utilizavam para guardar distância das entidades sobrenaturais.
[2] Etimologicamente a palavra pajé significa aquele que diz o fim, o profeta da aldeia. A passagem de pajé para caraíba era por meio do reconhecimento social da tribo, uma espécie de santidade adquirida por virtudes manifestas em atos. O caraíba uma vez em posse deste título: pajé – açú gozava deste privilégio de ser considerado um descendente direto dos heróis civilizadores. Toda caraíba era pajé, mas nem todo pajé era caraíba. 

CONFIRA  A PARTE  50 , a ser publicada no dia 24 /11/2011....

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