quinta-feira, 3 de novembro de 2011

ESPECIAL : " ubatuba , espaço, memória e cultura " - Parte 48





A Irin – Magé ou Maire – Monan corresponde a função mediadora entre o céu de Monan e a humanidade Tupinambá. Tratando-se de um desdobramento de Monan como o faz parecer Métraux, preferimos chamar isto de um desprendimento e continuidade do trabalho incompleto de Monan. Este semideus caracteriza-se por sua proximidade com o modo de viver de seu povo, pela solidariedade expressa nas suas transformações e, sobretudo, pelo poder com que transcende os limites da terra e se projeta na natureza celestial, é uma das grandes imagens da mitologia Tupinambá.

Sommay – Sumé é citado na mitologia de Thevet também como “grande Pajé e Caraíba”, pai dos irmãos Tamendonare e Aricoute provocadores do dilúvio. Apesar da similaridade identitária entre esta figura e Irin – Magé, Sommay ou Sumé é revestido nas crônicas portuguesas de características diferentes. Thevet estabelece um laço parental com o fim de preencher a lacuna dizendo que Sommay é descendente de Irin – Magé. Outro caraíba ou profeta da mitologia Tupinambá é Maire – Atá, pai dos gêmeos míticos que depois de tê-los concebidos, abandonou a mãe e se foi com destino a uma taba próxima de Cabo Frio, onde exerceu ,como feiticeiro , grandes habilidades de predizer o futuro.


Os gêmeos míticos são um capítulo importante na mitologia Tupinambá. Seus destinos estão intimamente ligados, mas há o fato de não nascerem do mesmo pai, pois um é filho de Maire – Atá, o grande herói –civilizador e, o outro, de um homem comum sem nenhuma particularidade. A mãe do filho de Maire – Atá, como mencionamos anteriormente, ao ser abandonada por este sai a sua procura guiada pela criança que carrega no ventre e lhe indica o caminho a seguir. A mãe, recusando-se a colher “legumes” conforme indicava o filho ,provoca a cólera do menino que se cala causando o extravio da progenitora Assim, a mãe chega à casa de Sarigoys que lhe oferece hospitalidade e durante a noite dorme com ela, deixando-a grávida de uma outra criança. Continuando sua busca, a mulher chega a uma aldeia cujo chefe é Iarnare que segundo os tupinólogos quer dizer jaguar. Vítima da crueldade dos indígenas que habitavam essa aldeia, é cortada em pedaços e devorada em banquete. Os filhos são jogados no lixo e uma mulher compadecida os recolhe e  os  cria. A origem sobrenatural das crianças, revela-se por seu rápido crescimento e pela habilidade que demonstram ao caçar. Indo certa vez à procura de frutos, os gêmeos decidem vingar a mãe e para isto, arrastam os habitantes da aldeia a uma ilha. Na travessia da água, promovem uma tempestade e os aldeões são afogados e transformados em animais felinos. Satisfeitos em seu desejo de vingança, os gêmeos vão à procura do pai e o encontram em uma aldeia próxima de Cabo Frio, onde gozava de grande nome como mago e adivinho. Os dois irmãos entram na oca paterna e se declaram filhos de Maire – Atá. O velho, portador de um diadema, fica feliz pelo encontro, mas se recusa a reconhecê-los sem antes submetê-los a provas. A primeira prova consistia em atirar com o arco e, as flechas dos gêmeos ficam suspensas no ar. A segunda consistiu em passar três vezes através da pedra Ita – Irápi, cujas metades se entrechocavam rapidamente. O filho de Maire – Atá recomenda a seu irmão ir primeiro, tendo em vista o perigo e lembrando-o de sua origem mais humilde. O irmão é esmagado pela pedra, o outro recolhe seus restos e o retorna a sua forma primitiva. Daí em diante, o filho de Sarigoys se sai muito bem nas provas restantes. O pai Maire – Atá exige mais uma prova : ambos deveriam ir a Agnen- Pinaiticare e furtar deste, os aparelhos da pesca do peixe Alain, peixe que serve de alimento aos mortos. O filho de Sarigoys tenta a sorte e é dilacerado por Agnen, retornando à vida graças a seu irmão. Juntos alcançam a isca do anzol de Agnen. Levam assim para Maire – Atá a prova de sua façanha e este os recebe como seus filhos, embora com a idéia de submetê-los a novos trabalhos.

Existem várias versões para a história dos gêmeos míticos, entretanto, o que fica em evidência é a diferença entre os dois, o filho de Maire – Atá é sempre considerado o mais forte e o mais resistente. Seu irmão é sempre inferior, incapaz de sair vitorioso porque é reduzido a pedaços ou devorado pelos monstros. A rivalidade neste caso é salientada em função de ser o filho bastardo.

Alguns antropólogos interpretam o mito dos irmãos gêmeos como análogo aos ciclos solar e lunar, pois em algumas dessas tradições, os filhos foram transformados no sol e na lua, relevando a diferença da natureza e da origem de ambos . A prova do caráter lunar de um dos gêmeos se vê nos incidentes que lhe ocorrem: reduzido aos pedaços e devorado como mencionamos anteriormente, mas o ressurgimento sob a forma inicial remete, como afirma Métraux,  as fases do eclipse lunar.

Existe um terceiro grande caraíba chamado de Maire – Pochy que se distancia de certo modo do laço parental de Monan. No entanto, em alguns relatos da tradição oral dos Tupinambá aparece como a personificação do sol. Sustentado em que todos os heróis – civilizadores dos Tupinambá são a encarnação do astro rei, Métraux, relaciona-o com Monan. Segundo a lenda, Maire – Pochy e sua mulher foram expulsos da aldeia e refugiaram-se no mato onde plantaram grandes extensões e usufruíram os frutos da colheita. Maire – Pochy convidou a seus cunhados que estavam sendo ameaçados pela fome, para partilhar desses frutos. Tudo isto resultou em um grande mal para a tribo, pois toda a família foi transformada em diversos animais. Uma outra versão analógica a esta de Maire – Pochy diz que Tatu – Tunpa e Aguara – Tunpa, transfigurados em animais, apresentam-se em uma aldeia para desposar à filha de Morubixaba destinada a Tutu – Tunpa, mas concedida a Aguara – Tunpa que havia desfigurado seu rival, assim Tutu – Tunpa foi forçado a ficar com a mais feia das filhas do cacique. Para demonstrar a sua braveza Tutu – Tanpa devastou a mata e, em um fechar de olhos, a cobriu de frutas e legumes.

Uma outra lenda explica o aparecimento de uma ave. Maire – Pochy cansado de sua esposa retorna ao céu sendo seguido por, um dos filhos que, como castigo, foi transformado em rochedo. Esse filho usava um chapéu que parecia feito de penas, mas na verdade era de línguas de fogo. Retornando para seu estado primitivo e fazendo uso de tal adereço, certa vez um homem pediu-lhe o chapéu emprestado, sofrendo conseqüentemente graves queimaduras. Desesperado jogou-se em uma lagoa a fim de apagar o fogo abrasador, sendo transformado em saracura[1] .

Diversas imagens nos oferecem os mitos Tupinambá, dependendo da região do litoral em que foram concebidos, mas gostaríamos apenas de destacar um outro mito com Maire – Pochy, pela sua riqueza imaginária ao explicar o dia e a noite  “O sol usava uma coroa de penas de arara, vermelhas e abrasantes”. Vindo para o oriente, lá deixou seu chapéu, dando origem desse modo ao ocaso. Certo homem matou o sol jogando-lhe na cabeça frutas de anajá e assim surgiu a noite. Os cinco filhos do sol procuraram usar a coroa paterna, tomada pelo assassino, mas nenhum conseguiu suportá-la na cabeça a exceção do mais moço, que a partir de então seguiu a trajetória do pai, regularizando desta forma a alternância do dia e da noite.

 A arte de fazer fogo por fricção também é bem pitoresca na narrativa Tupinambá. Um caraíba de nome Bicbotou, que significa trovão e parece ser corruptela de ybytu, a vibração, o vento, o hálito da terra ou o sopro da mesma.  Bicbotou transmitiu o conhecimento sobre o fogo a seus pais em sonho, durante a noite, logo após o dilúvio. Thevet atribuiu o fogo a Irin – Pagé ou aos filhos de Sommay, o que permite a Métraux supor que Bicbotou seria um desdobramento de Irin-Pagé.

Ives d’ Évreux registra as palavras de um indígena que diz: “nossos pais ensinaram, por tradições transmitidas de boca em boca, que apareceu antigamente, um grande maratá de Tupã, isto é, um enviado de deus, que andou por estas terras, transmitindo-lhes o conhecimento de varias coisas. Foi esse maratá, por exemplo, que lhes deu a mandioca, que é a raiz com a qual se faz o pão (pois até então, só se alimentavam nossos pais com as raízes silvestres)” (D’Évreux apud Métraux 1979:) Ao perceber que os antepassados não levaram em conta suas palavras, afastou-se deixando como testemunha de sua passagem registros na rocha, sinais escritos de seus ensinamentos, imagens de seus pés.


[1] Espécie de frango da água.





CONFIRA   A   49 ª PARTE , A SEU PUBLICADA NO DIA   07/11/2011

Com a publicação da pagina  144 do livro UBATUBA, ESPAÇO , MEMORIA E CULTURA..
Confira esse livro na integra , visitando a Biblioteca  Atheneu Ubatubense
Praça 13 de Mai, 5552- Centro - Ubatuba -SP

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