Hans Staden
(1999) é um filme de Luís Alberto Pereira que parte do relato do artilheiro
alemão, prisioneiro dos índios Tupinambá, no Brasil do século XVI. Após sua
libertação este consegue voltar à Europa, onde escreve suas experiências no
livro Hans Staden – a verdadeira
história de seu cativeiro (1557), que se tornou um best seller na época. Detalhes deste livro que
narra tal odisséia, encontram-se no capítulo II, item 2, Os Tupinambá, traço da força e da resistência de uma raça, a fim de
documentar a experiência deste estrangeiro em terras Tupi. A primeira tentativa
do cinema de retratar esta singular história realizou-se no filme Como era Gostoso meu Francês (1971), de
Nelson Pereira dos Santos. Existem algumas diferenças entre estas duas versões
que comentaremos a seguir. Ambos os filmes partem de um relato comum – o
documento literário.
Nelson Pereira dos Santos insere alguns dados de outros
viajantes da época como o francês Jean de Léry que veio ao Brasil na comitiva
do almirante Villegaignon, o projeto de colonização dos franceses consistia em
fundar a França Antártica. Por outro lado, Luís Alberto Pereira acompanha
“literalmente”, o diário de viagem do alemão que pormenoriza sua estadia entre
os Tupinambá até sua ardilosa escapada.
A grande diferença entre as duas
produções cinematográficas está no desfecho da narrativa ficcional, na primeira
versão, o protagonista – Jean, é sacrificado de acordo com o ritual
antropofágico, na segunda – Hans, consegue enganar os Tupinambá e escapa ao
ritual no qual ele seria a principal comida.
O filme Hans Staden foi rodado em
Ubatuba, onde foi construída uma aldeia cenográfica que até hoje existe, como
recriação da época. O elenco das filmagens, cuidadosamente preparado, recebeu
aulas de Tupi com o apóio do professor Eduardo Navarro, lingüista da
Universidade de São Paulo – USP, também recebeu aulas de dança e a convivência
permitiu com que este encenasse com precisão os rituais que são mostrados na
produção. A trilha sonora do filme tem músicas indígenas. O filme ganhou o
prêmio do júri e a melhor trilha sonora do Festival de Brasília em 2000. Hans
Staden é um retrato muito bem montado do Brasil colonial, da visão ilustrada de
uma raça com força e valentia, destemidos em relação à morte e vingativos
contra aqueles que representavam uma ameaça para a preservação de seus valores:
os mitos ancestrais, a tribo como família e, o meio que lhes assegurava a
subsistência.
Hans Staden quando fala de Ubatuba,
refere-se ao lugar onde ficou prisioneiro, situada na Baia de Angra dos Reis,
no Estado de Rio de Janeiro. A então Aldeia de Iperoig foi apenas visitada por
ele (Uchôa, Scatamacchia e Garcia, 1984).
Desmundo
(2001) é um filme de Alain Fresnot, mostra a realidade dos primeiros
portugueses que se estabeleceram no Brasil durante o período da colonização. A
maioria destes de origem “duvidosa”, personagens toscos e rudimentares são
caracterizados de acordo com os propósitos da luta pela sobrevivência e a
conquista da selva e das terras. Caçar índios e transforma-los em negócio era o
motivo que impulsionava a ação destes primeiros advindos a terra brasilis.
O diretor de Desmundo convida a seus
espectadores a examinar com detenção a história das mulheres que eram trazidas
da Europa para se casar com os fidalgos de ultramar. A personagem principal,
chama-se Oribela (Simone Spoladore), ela é uma dessas órfãs recolhidas que vem
ao Brasil para se casar com Francisco (Osmar Prado) , um dos degradados que se
havia dignificado na conquista de terras e escravos que trabalhavam para ele
nas suas propriedades.
O choque frontal entre Oribela, educada
em um convento e o violento Francisco, fica ainda mais tenso quando entra em
cena o mercador judeu e convertido ao cristianismo – por uma questão de
conveniência, Ximeno Dias (Caco Ciocler), com o qual Oribela cai em graças.
A produção do filme está baseada no
romance, do mesmo nome, de Ana Miranda que relata a solicitação feita por
Manuel da Nóbrega ao rei João VI de Portugal, que enviasse mulheres brancas
para contrair matrimônio com o remanescente da casta lusitana a fim de impedir
a miscigenação e de formar uma espécie de elite colonial. Este romance feminino
é narrado pela boca da órfã que no silêncio faz florescer seu saber, na
tentativa de se posicionar socialmente. Nisto se baseia a travessia interior da
personagem que encontra nos signos da selva a rota de seu próprio enredo,
circunscrito ao imaginário religioso: “este mundo é um desterro e nós,
estrangeiros”. A fidelidade documental do romance se dá no encontro desses
interesses místicos com o imaginário do português degradado vivendo em função
de seus instintos. A alteridade com o novo mundo confere à obra seu eixo narrativo
– tensão pela fuga.
O filme foi também rodado em Ubatuba,
na Poruba, onde foi construída uma aldeia cenográfica. Falado em português
arcaico, o filme recria a época do “encontro” e o desencontro de interesses e
motivações, mas trata-se do mesmo lugar referente, a Poruba de Ubatuba, pequena
aldeia de pescadores, “do Dico e do seu Antônio”, descendentes dos portugueses
que ali chegaram um dia. Poruba é rodeada pelo mistério da mata, cantada pelos
passarinhos, cheia de gente na alta temporada, mas solitária e silenciosa o
resto do tempo.
A mídia cinematográfica tem achado em
Ubatuba um lugar ideal para encenar as sagas históricas da época da
“descoberta”, a paisagem natural é um convite para a contemplação do espaço
real e para o gozo dos sentidos, entretanto, essas interferências técnicas da
mídia trazem à tona um outro espaço cheio de mistérios – o humano, que se
define na transposição, não é difícil imaginar o abismo que separa qualquer
adaptação em um outro suporte original. Não se trata portanto de respeitar
palavra por palavra o argumento original, aquilo que é de fato: impossível. Uma
boa adaptação no cinema, é uma versão que não trai o chamado núcleo
significativo – ideológico, fundamentais do texto ao qual se apela: conteúdos
básicos que não se sujeitam ao detalhe argumental. Em cada transposição
cinematográfica há uma opção sobre a resignificação da obra transposta que
oscila entre o privilégio do tema e dos traços de estilo individual e da época
em que se vive.
A memória com o passar do tempo vai
perdendo nitidez, para ver até que ponto, vencedores e vencidos foram os reais
protagonistas na construção de uma cultura e de uma identidade capazes de
perpetuar o tempo no imaginário brasileiro. Ao longo dos capítulos deste livro,
percebemos a importância substancial da pesquisa para aproximarmos com menos
ingenuidade os acontecimentos históricos que podem vir a fazer parte de
narrativas ficcionais, mais próximas das verdadeiras motivações que
arquitetaram a cultura brasileira e das quais os meios de comunicação social
podem usufruir com maior proveito, sem excluir o comparecimento desbordante dos
verdadeiros donos da terra, isto é, aqueles que lutaram por conquistá-la:
índios, caiçaras e negros; migrantes e imigrantes, por fazer de Ubatuba, como de
qualquer outro lugar do Brasil, o lugar seguro para aquecer seus sonhos de
futuro.
FONTE :
lIVRO " Ubatuba, espaço , memória e cultura"...
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