quinta-feira, 17 de novembro de 2011

CINE UBATUBENSE....."Hans Staden " - A Epopéia do armador alemão no Brasil Colinial





Hans Staden (1999) é um filme de Luís Alberto Pereira que parte do relato do artilheiro alemão, prisioneiro dos índios Tupinambá, no Brasil do século XVI. Após sua libertação este consegue voltar à Europa, onde escreve suas experiências no livro Hans Staden – a verdadeira história de seu cativeiro (1557), que se tornou um best seller na época. Detalhes deste livro que narra tal odisséia, encontram-se no capítulo II, item 2, Os Tupinambá, traço da força e da resistência de uma raça, a fim de documentar a experiência deste estrangeiro em terras Tupi. A primeira tentativa do cinema de retratar esta singular história realizou-se no filme Como era Gostoso meu Francês (1971), de Nelson Pereira dos Santos. Existem algumas diferenças entre estas duas versões que comentaremos a seguir. Ambos os filmes partem de um relato comum – o documento literário. 




Nelson Pereira dos Santos insere alguns dados de outros viajantes da época como o francês Jean de Léry que veio ao Brasil na comitiva do almirante Villegaignon, o projeto de colonização dos franceses consistia em fundar a França Antártica. Por outro lado, Luís Alberto Pereira acompanha “literalmente”, o diário de viagem do alemão que pormenoriza sua estadia entre os Tupinambá até sua ardilosa escapada.

A grande diferença entre as duas produções cinematográficas está no desfecho da narrativa ficcional, na primeira versão, o protagonista – Jean, é sacrificado de acordo com o ritual antropofágico, na segunda – Hans, consegue enganar os Tupinambá e escapa ao ritual no qual ele seria a principal comida.

O filme Hans Staden foi rodado em Ubatuba, onde foi construída uma aldeia cenográfica que até hoje existe, como recriação da época. O elenco das filmagens, cuidadosamente preparado, recebeu aulas de Tupi com o apóio do professor Eduardo Navarro, lingüista da Universidade de São Paulo – USP, também recebeu aulas de dança e a convivência permitiu com que este encenasse com precisão os rituais que são mostrados na produção. A trilha sonora do filme tem músicas indígenas. O filme ganhou o prêmio do júri e a melhor trilha sonora do Festival de Brasília em 2000. Hans Staden é um retrato muito bem montado do Brasil colonial, da visão ilustrada de uma raça com força e valentia, destemidos em relação à morte e vingativos contra aqueles que representavam uma ameaça para a preservação de seus valores: os mitos ancestrais, a tribo como família e, o meio que lhes assegurava a subsistência.

Hans Staden quando fala de Ubatuba, refere-se ao lugar onde ficou prisioneiro, situada na Baia de Angra dos Reis, no Estado de Rio de Janeiro. A então Aldeia de Iperoig foi apenas visitada por ele (Uchôa, Scatamacchia e Garcia, 1984).

Desmundo (2001) é um filme de Alain Fresnot, mostra a realidade dos primeiros portugueses que se estabeleceram no Brasil durante o período da colonização. A maioria destes de origem “duvidosa”, personagens toscos e rudimentares são caracterizados de acordo com os propósitos da luta pela sobrevivência e a conquista da selva e das terras. Caçar índios e transforma-los em negócio era o motivo que impulsionava a ação destes primeiros advindos a terra brasilis. 

O diretor de Desmundo convida a seus espectadores a examinar com detenção a história das mulheres que eram trazidas da Europa para se casar com os fidalgos de ultramar. A personagem principal, chama-se Oribela (Simone Spoladore), ela é uma dessas órfãs recolhidas que vem ao Brasil para se casar com Francisco (Osmar Prado) , um dos degradados que se havia dignificado na conquista de terras e escravos que trabalhavam para ele nas suas propriedades.

O choque frontal entre Oribela, educada em um convento e o violento Francisco, fica ainda mais tenso quando entra em cena o mercador judeu e convertido ao cristianismo – por uma questão de conveniência, Ximeno Dias (Caco Ciocler), com o qual Oribela cai em graças.

A produção do filme está baseada no romance, do mesmo nome, de Ana Miranda que relata a solicitação feita por Manuel da Nóbrega ao rei João VI de Portugal, que enviasse mulheres brancas para contrair matrimônio com o remanescente da casta lusitana a fim de impedir a miscigenação e de formar uma espécie de elite colonial. Este romance feminino é narrado pela boca da órfã que no silêncio faz florescer seu saber, na tentativa de se posicionar socialmente. Nisto se baseia a travessia interior da personagem que encontra nos signos da selva a rota de seu próprio enredo, circunscrito ao imaginário religioso: “este mundo é um desterro e nós, estrangeiros”. A fidelidade documental do romance se dá no encontro desses interesses místicos com o imaginário do português degradado vivendo em função de seus instintos. A alteridade com o novo mundo confere à obra seu eixo narrativo – tensão pela fuga.

O filme foi também rodado em Ubatuba, na Poruba, onde foi construída uma aldeia cenográfica. Falado em português arcaico, o filme recria a época do “encontro” e o desencontro de interesses e motivações, mas trata-se do mesmo lugar referente, a Poruba de Ubatuba, pequena aldeia de pescadores, “do Dico e do seu Antônio”, descendentes dos portugueses que ali chegaram um dia. Poruba é rodeada pelo mistério da mata, cantada pelos passarinhos, cheia de gente na alta temporada, mas solitária e silenciosa o resto do tempo.

A mídia cinematográfica tem achado em Ubatuba um lugar ideal para encenar as sagas históricas da época da “descoberta”, a paisagem natural é um convite para a contemplação do espaço real e para o gozo dos sentidos, entretanto, essas interferências técnicas da mídia trazem à tona um outro espaço cheio de mistérios – o humano, que se define na transposição, não é difícil imaginar o abismo que separa qualquer adaptação em um outro suporte original. Não se trata portanto de respeitar palavra por palavra o argumento original, aquilo que é de fato: impossível. Uma boa adaptação no cinema, é uma versão que não trai o chamado núcleo significativo – ideológico, fundamentais do texto ao qual se apela: conteúdos básicos que não se sujeitam ao detalhe argumental. Em cada transposição cinematográfica há uma opção sobre a resignificação da obra transposta que oscila entre o privilégio do tema e dos traços de estilo individual e da época em que se vive.

A memória com o passar do tempo vai perdendo nitidez, para ver até que ponto, vencedores e vencidos foram os reais protagonistas na construção de uma cultura e de uma identidade capazes de perpetuar o tempo no imaginário brasileiro. Ao longo dos capítulos deste livro, percebemos a importância substancial da pesquisa para aproximarmos com menos ingenuidade os acontecimentos históricos que podem vir a fazer parte de narrativas ficcionais, mais próximas das verdadeiras motivações que arquitetaram a cultura brasileira e das quais os meios de comunicação social podem usufruir com maior proveito, sem excluir o comparecimento desbordante dos verdadeiros donos da terra, isto é, aqueles que lutaram por conquistá-la: índios, caiçaras e negros; migrantes e imigrantes, por fazer de Ubatuba, como de qualquer outro lugar do Brasil, o lugar seguro para aquecer seus sonhos de futuro. 


FONTE :

lIVRO  " Ubatuba, espaço , memória e cultura"...

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