Nessa nova assembléia voltam a surgir divergências. Araraí, da tribo dos guaianases, cuja aldeia ficava no planalto de Piratininga, perto do colégio dos jesuítas era completamente a favor da continuidade da guerra, por razões já mencionadas nestes relatos: a perda de seu filho Jogoanharo, orgulho de sua velhice morto pelo seu irmão Tibiriçá, aliado incondicional dos portugueses. Outros chefes também tinham motivos para recusar a proposta de paz, mas queriam viver com a garantia de ser respeitados na sua terra. A dificuldade maior era acreditar na palavra dos brancos.
Assim, a assembléia não foi fácil. Nóbrega e Anchieta ouviram as queixas costumeiras a respeito dos portugueses e seu afã de dominação. Anchieta alçou a voz no meio da assembléia e com persuasiva retórica falou da necessidade de paz, em nome de Deus e todo o Conselho da Confederação dos Tamoio o ouviu, com o máximo de respeito. O enunciado do jesuíta era que os Tamoio eram “os verdadeiros donos da terra” e que os portugueses ao faltarem com a lei de Deus – a palavra empenhada no Tratado - seriam punidos, mas o desafio de todos era trabalhar como irmãos, sem ódio, colaborando uns com os outros. Os portugueses poderiam construir escolas, ajudá-los com os doentes, ensiná-los no cultivo e no cuidado dos animais domésticos, a usar métodos mais racionais de cultivo de cana de açúcar e outras plantas que melhorariam as condições de vida das aldeias.
Aimberé cedeu ao desejo de pacificação, entretanto, continuava a estabelecer as mesmas exigências de antes: a libertação dos escravizados e a entrega aos Confederados dos traidores como Tibiriçá e Caiuby. O impetuoso guerreiro Tupinambá recebeu o apoio de toda a assembléia o que deixou os padres acuados ante tal impasse. Anchieta reforça a causa dos Confederados dizendo que era justa, mas que ele e o padre Manuel da Nóbrega precisavam consultar a administração do Governador de São Vicente, tratava-se de uma estratégia combinada para ganhar tempo. Ante tal apelo, Aimberé mostrou-se sagaz ao compreender a necessidade da viagem à Capitania, para negociar a paz, portanto ele mesmo compareceria em representação dos Tamoio, enquanto os jesuítas ficariam em Iperoig, como garantia de que nada lhes aconteceria.
Aimberé enfrentou com bravura as negociações ante os portugueses tanto em São Vicente como em Piratininga. A veemência do líder dos Tamoio fez com que seus adversários o ouvissem e concedessem a ele as exigências de libertação dos escravos e a entrega dos traidores para serem devorados, impondo a condição de que o acordo seria selado com a volta dos jesuítas que estavam em Iperoig. Aimberé enfrenta receosos os perós, chamando-os de mentirosos e que não dava para confiar em eles. O ambiente das negociações virou um caos, nesse instante, Aimberé foi informado que Tibiriçá e Caiuby haviam sido mortos, portanto, só lhe restava lutar pela libertação dos índios em cativeiro. Aí se levantou um outro jesuíta, Luis da Grã, sugerindo que um dos padres fosse a Piratininga e o outro continuasse refém, na aldeia de Iperoig. Desta forma Manuel da Nóbrega foi escolhido para a última rodada de negociações. Nessa viagem, Aimberé se fez acompanhar por seu jovem cunhado Parabuçú e Araken, um chefe aimoré muito respeitado nas aldeias Tupinambá. Eles tinham a missão de descobrir o paradeiro de Iguaçu, desaparecida na toma do Forte Coligny e vista pela última vez por Jogoanharo, na oportunidade que este foi negociar com seu tio Tibiriçá, conduzida por um colono de Piratininga e entregue ao cuidado dos padres. Ambas negociações: o resgate de Iguaçu e o acordo de paz estavam sendo arquitetados em distintos frentes. Aimberé mandou trazer Manuel da Nóbrega que voltou com o aimoré Araken.
A falta de noticias de Aimberé e de seus acompanhantes tinha deixado os ânimos agitados em Iperoig, havia crescido o clima de hostilidade entre os Tamoio contra os reféns jesuítas que não foram liquidados graças à intervenção de Coaquira e Cunhambebe . Manuel da Nóbrega foi levado em canoa para o centro das negociações, com chagas nas pernas e os pés inchados. Desembarcou em Bertioga, daí seus correligionários o conduziram a Piratininga, onde foi recebido com festa, na igreja na qual celebrou missa pela volta de seu irmão Anchieta e pelo propósito de paz.
Uma vez recuperado Nóbrega selou o acordo de paz junto com Aimberé e as autoridades portuguesas. Iniciou-se uma expedição libertadora acompanhada de soldados que foi de fazenda em fazenda, de engenho em engenho para libertar os índios que sofriam do cativeiro dos portugueses. Aimberé fazendo parte da comitiva chegou por último na fazenda de José Adorno que estava sob a administração de Eliodoro Eoban. Não havia ninguém no casarão, uma atmosfera cheia de suspense e de mistério deixou o chefe da Confederação dos Tamoio em desespero por não encontrar ali Iguaçu, a mulher de sua vida.
De volta a Iperoig, Aimberé percebeu que Anchieta se encontrava muito bem entrosado, catequizando e ensinando os ofícios aos habitantes da aldeia, ensinamentos de agricultura, pecuária, alimentação e saúde; ganhando o respeito de toda a taba de Coaquira.Com a chegada do chefe índio, Anchieta foi escoltado até São Vicente pelo jovem Cunhambebe e o líder dos Tamoio retorna à sua aldeia no Rio de Janeiro, fazendo um balanço positivo de sua gestão de paz, em favor do seu povo. A festa que o aguardava era para celebrar o regresso de Iguaçu que tinha sido resgatada por seus amigos, capturando os seus raptores, a família de Eliodoro Eoban.
O chefe supremo da Confederação dos Tamoio ordenou que soltassem os cativos em respeito do seu acordo com os portugueses. Um breve tempo de paz veio após a assinatura do tratado de Iperoig. Os índios tornaram-se mais exigentes na troca de produtos que faziam com os franceses, dando início a um novo processo de importações e exportações: receberam teares e gados que ajudaram no progresso econômico das aldeias.
Os portugueses romperam o acordo de pacificação que durou pouco mais de um ano, sujeitando ao trabalho escravo os índios. A guerra começou justamente onde tinha terminado, em Iperoig coma invasão dos das duas aldeias de Coaquira, morto o velho guerreiro, levaram os sobreviventes ao cativeiro. Depois acabaram com os redutos de Araraí também morto na devastação. Brás Cuba agora escravizava não só em função de suas fazendas e engenhos, mas também para expedições de garimpagem de ouro nos sertões.
Os interesses de José de Anchieta mudam no decorrer do tempo, conforme as próprias políticas circunstanciais da Coroa, principalmente a respeito daquilo que seria o patrimônio territorial, incluindo nesse sentido os índios, radicalmente contra a dominação lusitana.
Men de Sá, governador do Brasil que veio da Bahia para reforçar seu sobrinho Estácio de Sá, ao comando das operações de extermínio dos confederados, convencido de liquidar o poder dos Tamoio em favor da Coroa, o padre da companhia de Jesus, cuja missão era a evangelização e pacificação dos índios, adoçou a situação dramática de Rio de Janeiro, insuflando o governador geral sobre a carnificina de portugueses e, na hora do acerto de contas, assumiu o lugar de soldado, lutando no campo de batalha. Esta imagem de apóstolo das cruzadas contrasta com a visão de Celso Vieira, autor já citado que o coloca como um arauto da paz de Iperoig. A esquadra de Men de Sá chegou à Bahia de Guanabara o dia 8 de janeiro de 1567, com 3 galeões vindos de Lisboa, 2 navios de guerra bem armados. Diante de tal poderio, Aimberé intuiu a derrota inevitável e facilitou as coisas para os franceses e aliados que se mantinham fieis aos propósitos originais da Confederação.
O sacerdote soldado sonha com São Sebastião, o padroeiro do Rio – “o mata índios”, assim como Santiago “mata mouros”. Após o fatídico 19 e 20 de janeiro de 1567, os portugueses dão fim a essa cruzada, celebrando o triunfo com as louvações do jesuíta. Anteriormente, José de Anchieta e Manuel da Nóbrega tinham sido convocados pelo Governador Geral da Bahia, para negociar com os rebeldes Tamoio, um Tratado de Paz no cenário de Iperoig.
Os Tamoio não cederam a essa quebra do tratado. Men de Sá entra com todo o poder de fogo e Anchieta toma partido contra os índios que em outro momento foram “os filhos da terra”.
Você esta conferindo em Partes , o ESPECIAL do livro UBATUBA, ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA, um documentário escrito por Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguet, editado em 2005..
CONTINUA............Confira a 42 ª PARTE ........A ser publicada no dia 14 de agosto 2011...
Ínicio do Capitulo :
Capítulo IIIpagina 22.3
A CONSTRUÇÃO DE UMA CULTURA NA SERRA DO MAR
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