Efetivamente, de São Vicente à
Bertioga e por toda a margem do Paraíba, os Tamoios confederados
lutavam. Esta parcela da família Tupi que queria ser chamada de
Tupinambá, hostilizava sem descanso as demais tribos, devorando seus
inimigos em rituais antropofágicos tão repelidos pelos religiosos
jesuítas amigos dos portugueses. Instigados pelos franceses e
gravemente ofendidos pela cobiça do reino de Portugal, os Tamoios -
Tupinambá se aliaram às ordens de Cunhambebe e de Aimberé para
varrer das costas os indesejados portugueses.
Os Tamoio constituíam
varias tribos indígenas Tupinambá que se uniram para formar a
chamada Confederação, tinham como cabeças: Cunhambebe, o chefe da
Confederação, por ser considerado um temível guerreiro; Aimberé,
filho de Kairuçú que fora aprisionado pelos perós
como eram
conhecidos os portugueses; Pindabuçu, chefe de aldeia, no Rio de
Janeiro; Araraí, chefe dos Guaianá e Coaquira, da aldeia de
Iperoig.
Tudo começou com a chegada dos
europeus cujos propósitos de colonização nada tinham a ver com a
consciência de um passado indígena que forneceu as bases para uma
ação perante a situação histórica da conquista.
Fortes expressões desta tendência
surgiram ao longo do século XVI, nos movimentos sociais nativos, em
manifestações messiânicas dos xamães, nos movimentos de
resistência armadas, às vezes envolvendo diversas aldeias, como no
caso da Confederação dos Tamoios. Levando em consideração esta
dinâmica interna do grupo tupi e o choque desta com o processo de
expansão portuguesa, as relações luso-indígenas mostraram-se
contrárias às expectativas portuguesas. Os portugueses passaram,
portanto a aplicar suas políticas de dominação, buscando impor
diferentes formas de organização do trabalho. Mas, apesar das
diferentes maneiras de exploração ensaiadas, nenhuma delas resultou
satisfatória, contribuindo para a desorganização social e o
declínio demográfico do povo nativo (Monteiro, 1995:18).
Conseqüentemente, os colonizadores optaram pelo trabalho forçado na
tentativa e construir a base da economia e sociedade colonial. Os
franceses eram traficantes do pau-brasil por todo o litoral
brasileiro, ameaçavam o reinado de Dom João III, soberano de
Portugal, nos primórdios do século XVI.
Ao sul de Iperoig, São Vicente era
colônia portuguesa e o Planalto de Piratininga - hoje São Paulo,
estava sendo povoada por estes colonos que tinham como aliados os
Tupiniquim, habitantes daquele litoral. Esta aliança se deu pelo
casamento da índia Bartira, filha de Tibiriçá com o português
João Ramalho, homem de confiança dele, Tibiriçá era um grande
chefe Tupiniquim convertido à causa dos portugueses, iniciando assim
uma grande inimizade entre os Tupinambá e os Tupiniquim.
Já ao norte da aldeia de Iperoig,
no Rio de Janeiro, os franceses estabeleceram-se sob o comando de
Nicolau Durand de Villegagnon. A intenção dos franceses era a
colonização da região, para isso, lutavam contra os portugueses na
conquista das terras. Os Tupinambá aliaram-se a estes franceses na
esperança e na promessa de não serem eles escravizados, tendo seus
direitos garantidos e a posse de suas terras. A intenção dos
franceses e dos portugueses era clara e objetiva, com esforços
antagônicos pretendiam atrair estes “selvagens” para seus
propósitos de colonização, incentivando e atiçando tal
rivalidade.
Durante muitos anos houve confrontos
entre portugueses e franceses, Tupiniquim e Tupinambá. Batalhas
sangrentas que no final de cada uma delas, além dos muitos mortos e
feridos, centenas de índios eram capturados e assim transformados em
escravos pelos portugueses em plantações de cana de açúcar e em
engenhos.
Os primeiros relatos coloniais de
missionários jesuítas e franciscanos apresentam as causas desta
Guerra de Tamoio, originada nas relações ancestrais dos tupi: 1) a
trama de vingança 2) as práticas de sacrifício e antropofagia 3) a
complexa configuração das alianças entre as aldeias. Portanto, na
região do planalto, os Tupiniquim e seus tradicionais inimigos, os
Tupinambá, principalmente, os Tamoio do litoral são um exemplo
daquilo que John Manuel Monteiro no seu livro Negros
da Terra (1995), veio a
chamar de “guerra intestina”. No decorrer de todo o século XVI,
Tupiniquim e Tupinambá envolveram-se em um ciclo de enfrentamentos
armados cujo ápice foi a Confederação dos Tamoio, pela implicância
colonialista que esta teve. Centenas e até milhares de combatentes
seja por terra ou por mar, deram a esta guerra, um caráter
espetacular. A guerra era um fator decisivo para os índios,
porque situava o povo
tupi em uma dimensão entre o passado e o futuro dos grupos locais,
assim a vingança podia ser realizada por duas vias: pela morte do
inimigo na batalha ou pela captura do mesmo e o conseqüente banquete
antropofágico. Desta forma, a guerra, o cativeiro e o sacrifício
constituíam as bases das relações entre as aldeias Tupi do Brasil
pré-colonial (Monteiro, op. cit: 28).
Mas, o outro lado da história,
aquele que mais nos interessa é descrito
em História dos povos
indígenas – Confederação dos Tamoios
(1984), uma iniciativa do CIMI - Conselho Indígena Missionário que
encomendou esta tarefa a crianças indígenas, com este valioso
material e com o livro Meu
querido Canibal de Mario
Torre (2000), procuramos saber alguns detalhes desta Confederação
que se iniciou com um audacioso plano de Aimberé, capturado e feito
prisioneiro por Brás Cuba, o fundador da capitania de Santos. Este
tinha comandado o ataque e a destruição de uma aldeia chamada
Uruçumirim no Rio de Janeiro. Brás Cuba prendeu todos os
sobreviventes, inclusive o cacique Kairuçú que era o pai de
Aimberé. Aimberé revoltado planejou em silêncio a rebelião para
libertar a seus irmãos de nação, esperou o momento propício para
isto, o funeral do seu pai. Kairuçú morreu velho e cansado pelo
trabalho forçado em uma plantação de cana de açúcar, na fazenda
do implacável português em São Vicente.
Aimberé se fez dócil a Brás Cuba,
tal estratégia funcionou, conseguindo a permissão para realizar
junto com outros índios o enterro do pai. A rebelião e a fuga
aconteceram no funeral, os escravos libertos mataram muitos
portugueses, estes últimos, que já não tinham sossego com os
costumeiros ataques de Cunhambebe, a partir de então, tiveram que
contar com mais este herói tupi e seu ousado plano de reunir às
tribos em uma nação só. Assim, Aimberé correu de aldeia em
aldeia, acompanhado dos seus seguidores que constatavam junto ao
líder a situação lamentável em que se encontrava seu povo. O
estado de miséria de tribos como os guaianases, goitecas, aimorés e
carijós, forçadas ao trabalho pesado deixaram a estes caudilhos
revoltados. Aimberé exultou o ânimo dos Tupinambá, convocando-os à
ação por meio da luta organizada.
O primeiro a juntar-se às fileiras
Confederadas foi Pindabuçu – grande palmeira -, conhecido por sua
destreza e impetuosidade, amigo de infância de Aimberé que o
encontrou no sepultamento de seu filho Camorim, assassinado pelas
costas por um português. A morte de Camorim revoltou a toda a aldeia
e todos aderiram ao plano de Aimberé que também estava interessado
na filha de Pindabuçu, Iguaçu. Peregrinaram de tribo em tribo,
começando por Angra dos Reis, reduto de Cunhambebe, o chefe mais
importante entre os Tupinambá. Os incipientes confederados sabiam
que não ia ser fácil convencê-lo a entrar na luta, mas ele acabou
cedendo. Este foi o passo mais importante na nascente Confederação
dos Tamoio. A partir daí, Aimberé foi ganhando aliados em todas as
tribos, como Coaquira de Iperoig que teve seu território invadido em
várias ocasiões com destruição, morte e prisão dos “filhos da
terra”.
Na primeira reunião do conselho das
tribos confederadas foi proposto por Aimberé o nome de Cunhambebe
para chefiar a Confederação. O velho guerreiro aceitou a indicação
e fez sua famosa declaração de guerra aos perós. A Confederação
dos Tamoios durou aproximadamente 12 anos, período em que se
destacou por ser a maior organização indígena de resistência à
invasão dos portugueses na história do Brasil. Infernizava-os em
suas fazendas e nos navios que chegavam, principalmente no Rio de
Janeiro, praça das grandes batalhas confederadas, mais do que no
planalto de Piratininga, onde foi fundada a cidade de São Paulo.
* * *
A mentalidade primitiva dos índios
Tamoio gozava do fascínio de tais vitórias nas profecias de
libertação e vingança de seus feiticeiros. Tal fervor atraiu
tribos neutras e indecisas do sertão e em 1562 houve um avanço em
segredo contra a vila cristã de Piratininga, celeiro e abrigo dos
jesuítas que ali estavam desde 1561, trás a horrível penúria de
São Vicente. Este era o lugar de José de Anchieta que testemunhou e
descreveu os combates de 8 e 9 de julho.
O verdadeiro salvador de Piratininga
foi Tibiriçá, batizado com o nome de Martim Afonso, ele mobilizou o
gentio de 9 a 10 aldeias de Tupiniquim fieis à coroa e assim
rejeitou o oferecimento de Araraig e do seu feroz sobrinho Jagoanhara
– Cão Bravo que lhe propunha abandonar a causa jesuíta que era a
causa de Portugal. Milhares de flechas caíram sobre Piratininga
crescendo em furor a batalha e a gritaria dos combatentes. “Os
montes ruíam no estrondo e na poeira da batalha. Cão Bravo morreu e
logo a seguir Jagoanhara, o que fez com que os Tamoio fugissem.
Martim Afonso também sucumbiu após sua vitória com “tanto senso
e maturidade” – dirá o Padre Anchieta que foi sepultado com as
honras cristãs na Igreja, sendo proclamado bem – feitor e
conservador da casa de Piratininga.
Na quaresma de 1563, Anchieta
visitou Santos e Itanhaém, exercendo seu papel missionário. A seu
regresso a São Vicente encontrou o Padre Manoel da Nóbrega
preocupado com a sorte da capitania. Urgia salvar a colônia com um
ato de intrepidez e ostentosa religiosidade. Nesta ação, pode-se
observar o espírito que movia aos congregados de Ignácio de Loyola.
O plano era estabelecer diretamente a paz com os Tamoio de Iperoig,
onde a visita dos padres era desejada, indo Anchieta como interprete.
Assim, ambos decidiram ir até aquele perigoso lugar de “penhascos
e tormentas”, “quartel geral das nações confederadas para o
extermínio dos portugueses”.
Os padres foram de São Vicente a
Bertioga em canoa, na Páscoa de 1564. Desembarcaram na aldeia de
Iperoig, não sem antes ter passado por uma ilha deserta em São
Vicente, onde celebraram a missa. A sua chegada em Iperoig foram
reconhecidos pelos Tamoio, Anchieta e Nóbrega desceram da embarcação
e de face para o céu e o mar rezaram louvando a Deus pelo êxito da
travessia. Existiam naquele então, duas aldeias em Iperoig.
Dirigindo-se a seus habitantes Anchieta proclama a viva voz:
Alegrai-vos
com a nossa vinda e nosso amor. Queremos ficar entre vós,
ensinar-vos as coisas de Deus, para que Ele vos de farto alimento,
boa saúde, vitória sobre os vossos inimigos (Carta de Anchieta, 8
de junho de 1565, 1.301).
Os Tamoio fascinados com a figura do
missionário, olhos azuis e língua sonora, riam. O navio de José de
Adorno que acompanhava os padres trazia para os índios, como
resgate: machados, espelhos, alfinetes e outras bagatelas que os
Tamoio admiravam. Neste clima de reconhecimento e de troca, os
jesuítas e os Tamoio ajustavam as primeiras condições de paz. A
paz era desejada pelos Tamoio não por medo aos cristãos
portugueses, nem por necessidade, pois estes eram aliados dos
franceses que os proviam com exuberância de armas de fogo e espadas;
vestes e ferramentas podendo negociar estes utensílios. A paz era
almejada só para continuar guerreando e poder comer livremente os
seus velhos inimigos, os Tupiniquim que haviam triunfado mais de uma
vez aliados aos portugueses.
Trecho do Livro UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA, editado por Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguett, lançado em 2005....
Veja a 38 ª parte no dia 05 de julho....
Publicação das paginas 205 a 208 do livro... a partir do titulo Paz de Iperoig...
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