sexta-feira, 1 de julho de 2011

ESPECIAL DO LIVRO " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA " 37 ª PARTE


Efetivamente, de São Vicente à Bertioga e por toda a margem do Paraíba, os Tamoios confederados lutavam. Esta parcela da família Tupi que queria ser chamada de Tupinambá, hostilizava sem descanso as demais tribos, devorando seus inimigos em rituais antropofágicos tão repelidos pelos religiosos jesuítas amigos dos portugueses. Instigados pelos franceses e gravemente ofendidos pela cobiça do reino de Portugal, os Tamoios - Tupinambá se aliaram às ordens de Cunhambebe e de Aimberé para varrer das costas os indesejados portugueses. Os Tamoio constituíam varias tribos indígenas Tupinambá que se uniram para formar a chamada Confederação, tinham como cabeças: Cunhambebe, o chefe da Confederação, por ser considerado um temível guerreiro; Aimberé, filho de Kairuçú que fora aprisionado pelos perós como eram conhecidos os portugueses; Pindabuçu, chefe de aldeia, no Rio de Janeiro; Araraí, chefe dos Guaianá e Coaquira, da aldeia de Iperoig.




Tudo começou com a chegada dos europeus cujos propósitos de colonização nada tinham a ver com a consciência de um passado indígena que forneceu as bases para uma ação perante a situação histórica da conquista.

Fortes expressões desta tendência surgiram ao longo do século XVI, nos movimentos sociais nativos, em manifestações messiânicas dos xamães, nos movimentos de resistência armadas, às vezes envolvendo diversas aldeias, como no caso da Confederação dos Tamoios. Levando em consideração esta dinâmica interna do grupo tupi e o choque desta com o processo de expansão portuguesa, as relações luso-indígenas mostraram-se contrárias às expectativas portuguesas. Os portugueses passaram, portanto a aplicar suas políticas de dominação, buscando impor diferentes formas de organização do trabalho. Mas, apesar das diferentes maneiras de exploração ensaiadas, nenhuma delas resultou satisfatória, contribuindo para a desorganização social e o declínio demográfico do povo nativo (Monteiro, 1995:18). Conseqüentemente, os colonizadores optaram pelo trabalho forçado na tentativa e construir a base da economia e sociedade colonial. Os franceses eram traficantes do pau-brasil por todo o litoral brasileiro, ameaçavam o reinado de Dom João III, soberano de Portugal, nos primórdios do século XVI.

Ao sul de Iperoig, São Vicente era colônia portuguesa e o Planalto de Piratininga - hoje São Paulo, estava sendo povoada por estes colonos que tinham como aliados os Tupiniquim, habitantes daquele litoral. Esta aliança se deu pelo casamento da índia Bartira, filha de Tibiriçá com o português João Ramalho, homem de confiança dele, Tibiriçá era um grande chefe Tupiniquim convertido à causa dos portugueses, iniciando assim uma grande inimizade entre os Tupinambá e os Tupiniquim.

Já ao norte da aldeia de Iperoig, no Rio de Janeiro, os franceses estabeleceram-se sob o comando de Nicolau Durand de Villegagnon. A intenção dos franceses era a colonização da região, para isso, lutavam contra os portugueses na conquista das terras. Os Tupinambá aliaram-se a estes franceses na esperança e na promessa de não serem eles escravizados, tendo seus direitos garantidos e a posse de suas terras. A intenção dos franceses e dos portugueses era clara e objetiva, com esforços antagônicos pretendiam atrair estes “selvagens” para seus propósitos de colonização, incentivando e atiçando tal rivalidade.

Durante muitos anos houve confrontos entre portugueses e franceses, Tupiniquim e Tupinambá. Batalhas sangrentas que no final de cada uma delas, além dos muitos mortos e feridos, centenas de índios eram capturados e assim transformados em escravos pelos portugueses em plantações de cana de açúcar e em engenhos.

Os primeiros relatos coloniais de missionários jesuítas e franciscanos apresentam as causas desta Guerra de Tamoio, originada nas relações ancestrais dos tupi: 1) a trama de vingança 2) as práticas de sacrifício e antropofagia 3) a complexa configuração das alianças entre as aldeias. Portanto, na região do planalto, os Tupiniquim e seus tradicionais inimigos, os Tupinambá, principalmente, os Tamoio do litoral são um exemplo daquilo que John Manuel Monteiro no seu livro Negros da Terra (1995), veio a chamar de “guerra intestina”. No decorrer de todo o século XVI, Tupiniquim e Tupinambá envolveram-se em um ciclo de enfrentamentos armados cujo ápice foi a Confederação dos Tamoio, pela implicância colonialista que esta teve. Centenas e até milhares de combatentes seja por terra ou por mar, deram a esta guerra, um caráter espetacular. A guerra era um fator decisivo para os índios, porque situava o povo tupi em uma dimensão entre o passado e o futuro dos grupos locais, assim a vingança podia ser realizada por duas vias: pela morte do inimigo na batalha ou pela captura do mesmo e o conseqüente banquete antropofágico. Desta forma, a guerra, o cativeiro e o sacrifício constituíam as bases das relações entre as aldeias Tupi do Brasil pré-colonial (Monteiro, op. cit: 28).

Mas, o outro lado da história, aquele que mais nos interessa é descrito em História dos povos indígenas – Confederação dos Tamoios (1984), uma iniciativa do CIMI - Conselho Indígena Missionário que encomendou esta tarefa a crianças indígenas, com este valioso material e com o livro Meu querido Canibal de Mario Torre (2000), procuramos saber alguns detalhes desta Confederação que se iniciou com um audacioso plano de Aimberé, capturado e feito prisioneiro por Brás Cuba, o fundador da capitania de Santos. Este tinha comandado o ataque e a destruição de uma aldeia chamada Uruçumirim no Rio de Janeiro. Brás Cuba prendeu todos os sobreviventes, inclusive o cacique Kairuçú que era o pai de Aimberé. Aimberé revoltado planejou em silêncio a rebelião para libertar a seus irmãos de nação, esperou o momento propício para isto, o funeral do seu pai. Kairuçú morreu velho e cansado pelo trabalho forçado em uma plantação de cana de açúcar, na fazenda do implacável português em São Vicente.

Aimberé se fez dócil a Brás Cuba, tal estratégia funcionou, conseguindo a permissão para realizar junto com outros índios o enterro do pai. A rebelião e a fuga aconteceram no funeral, os escravos libertos mataram muitos portugueses, estes últimos, que já não tinham sossego com os costumeiros ataques de Cunhambebe, a partir de então, tiveram que contar com mais este herói tupi e seu ousado plano de reunir às tribos em uma nação só. Assim, Aimberé correu de aldeia em aldeia, acompanhado dos seus seguidores que constatavam junto ao líder a situação lamentável em que se encontrava seu povo. O estado de miséria de tribos como os guaianases, goitecas, aimorés e carijós, forçadas ao trabalho pesado deixaram a estes caudilhos revoltados. Aimberé exultou o ânimo dos Tupinambá, convocando-os à ação por meio da luta organizada.

O primeiro a juntar-se às fileiras Confederadas foi Pindabuçu – grande palmeira -, conhecido por sua destreza e impetuosidade, amigo de infância de Aimberé que o encontrou no sepultamento de seu filho Camorim, assassinado pelas costas por um português. A morte de Camorim revoltou a toda a aldeia e todos aderiram ao plano de Aimberé que também estava interessado na filha de Pindabuçu, Iguaçu. Peregrinaram de tribo em tribo, começando por Angra dos Reis, reduto de Cunhambebe, o chefe mais importante entre os Tupinambá. Os incipientes confederados sabiam que não ia ser fácil convencê-lo a entrar na luta, mas ele acabou cedendo. Este foi o passo mais importante na nascente Confederação dos Tamoio. A partir daí, Aimberé foi ganhando aliados em todas as tribos, como Coaquira de Iperoig que teve seu território invadido em várias ocasiões com destruição, morte e prisão dos “filhos da terra”.

Na primeira reunião do conselho das tribos confederadas foi proposto por Aimberé o nome de Cunhambebe para chefiar a Confederação. O velho guerreiro aceitou a indicação e fez sua famosa declaração de guerra aos perós. A Confederação dos Tamoios durou aproximadamente 12 anos, período em que se destacou por ser a maior organização indígena de resistência à invasão dos portugueses na história do Brasil. Infernizava-os em suas fazendas e nos navios que chegavam, principalmente no Rio de Janeiro, praça das grandes batalhas confederadas, mais do que no planalto de Piratininga, onde foi fundada a cidade de São Paulo.

* * *

A mentalidade primitiva dos índios Tamoio gozava do fascínio de tais vitórias nas profecias de libertação e vingança de seus feiticeiros. Tal fervor atraiu tribos neutras e indecisas do sertão e em 1562 houve um avanço em segredo contra a vila cristã de Piratininga, celeiro e abrigo dos jesuítas que ali estavam desde 1561, trás a horrível penúria de São Vicente. Este era o lugar de José de Anchieta que testemunhou e descreveu os combates de 8 e 9 de julho.

O verdadeiro salvador de Piratininga foi Tibiriçá, batizado com o nome de Martim Afonso, ele mobilizou o gentio de 9 a 10 aldeias de Tupiniquim fieis à coroa e assim rejeitou o oferecimento de Araraig e do seu feroz sobrinho Jagoanhara – Cão Bravo que lhe propunha abandonar a causa jesuíta que era a causa de Portugal. Milhares de flechas caíram sobre Piratininga crescendo em furor a batalha e a gritaria dos combatentes. “Os montes ruíam no estrondo e na poeira da batalha. Cão Bravo morreu e logo a seguir Jagoanhara, o que fez com que os Tamoio fugissem. Martim Afonso também sucumbiu após sua vitória com “tanto senso e maturidade” – dirá o Padre Anchieta que foi sepultado com as honras cristãs na Igreja, sendo proclamado bem – feitor e conservador da casa de Piratininga.

Na quaresma de 1563, Anchieta visitou Santos e Itanhaém, exercendo seu papel missionário. A seu regresso a São Vicente encontrou o Padre Manoel da Nóbrega preocupado com a sorte da capitania. Urgia salvar a colônia com um ato de intrepidez e ostentosa religiosidade. Nesta ação, pode-se observar o espírito que movia aos congregados de Ignácio de Loyola. O plano era estabelecer diretamente a paz com os Tamoio de Iperoig, onde a visita dos padres era desejada, indo Anchieta como interprete. Assim, ambos decidiram ir até aquele perigoso lugar de “penhascos e tormentas”, “quartel geral das nações confederadas para o extermínio dos portugueses”.

Os padres foram de São Vicente a Bertioga em canoa, na Páscoa de 1564. Desembarcaram na aldeia de Iperoig, não sem antes ter passado por uma ilha deserta em São Vicente, onde celebraram a missa. A sua chegada em Iperoig foram reconhecidos pelos Tamoio, Anchieta e Nóbrega desceram da embarcação e de face para o céu e o mar rezaram louvando a Deus pelo êxito da travessia. Existiam naquele então, duas aldeias em Iperoig. Dirigindo-se a seus habitantes Anchieta proclama a viva voz:

Alegrai-vos com a nossa vinda e nosso amor. Queremos ficar entre vós, ensinar-vos as coisas de Deus, para que Ele vos de farto alimento, boa saúde, vitória sobre os vossos inimigos (Carta de Anchieta, 8 de junho de 1565, 1.301).

Os Tamoio fascinados com a figura do missionário, olhos azuis e língua sonora, riam. O navio de José de Adorno que acompanhava os padres trazia para os índios, como resgate: machados, espelhos, alfinetes e outras bagatelas que os Tamoio admiravam. Neste clima de reconhecimento e de troca, os jesuítas e os Tamoio ajustavam as primeiras condições de paz. A paz era desejada pelos Tamoio não por medo aos cristãos portugueses, nem por necessidade, pois estes eram aliados dos franceses que os proviam com exuberância de armas de fogo e espadas; vestes e ferramentas podendo negociar estes utensílios. A paz era almejada só para continuar guerreando e poder comer livremente os seus velhos inimigos, os Tupiniquim que haviam triunfado mais de uma vez aliados aos portugueses.


Trecho do Livro UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA, editado por Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguett, lançado em 2005....
Veja a 38 ª  parte no dia 05 de julho....
Publicação das paginas 205 a 208 do livro...  a partir do titulo Paz de Iperoig...

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