terça-feira, 7 de junho de 2011

ESPECIAL UBATUBA, ESPAÇO , MEMORIA E CULTURA - 34 ª PARTE

o navio francês que teria atracado em um porto a oito milhas de Ubatuba, no Rio de Janeiro, chamado pelos selvagens de Niterói. Neste porto, também os portugueses faziam o carregamento, negociavam pau-brasil , outras várias especiarias, como pimenta, além se macacos e papagaios. Era o momento propício para pensar na fuga.

Um dos navios chegou até a aldeia de Ubatuba mas Hans Staden foi impedido de chegar a bordo. Quando os franceses iam partir, o alemão mais do que nunca pensou que poderia ser aquela sua chance, entregou-se na mão de Deus e antes mesmo que o navio partisse correu até a praia, sendo perseguido pelos selvagens. Ele nadou até a embarcação, mas os franceses não o deixaram subir, achando que se o levassem os selvagens se revoltariam contra eles. Desolado o alemão voltou à praia onde os selvagens os esperavam contentes. Staden, disfarçando a fuga, disse que havia ido apenas até os franceses para pedir que trouxessem mais mercadorias, agradando-os e os deixando-os assim satisfeitos.



Chegou então, o dia da expedição guerreira dos Tupinambá.Um total de 38 canoas com uma média de 18 homens cada foram reunidas. Cunhambebe estava entre os líderes desta aventura guerreira. Exatamente aos 14 dias do mês de Agosto de 1554, partiram os Tupinambá rumo à Bertioga onde pretendiam, escondidos na floresta, próximos ao povoado, capturar seus inimigos. Neste período do ano costuma haver a chamada piracema, um movimento de cardumes de peixes chamados de tainhas, lisas em espanhol e piratis pelos indígenas, que sobem o rio para desovar. Nesta época os selvagens costumavam praticar as guerras, tanto os Tupinambá quanto os Tupiniquim aproveitavam este momento do deslocamento para eles também se mobilizar.

Portanto, os Tupinambá levaram Hans Staden nesta expedição guerreira, por ordem de Cunhambebe, desfazendo desta maneira todo seu projeto de fuga. Nas proximidades da Aldeia de Iperoig, soprava um forte vento e os selvagens questionaram ao alemão o que poderia significar aquilo. O alemão disse em tom profético que estava soprando sobre muitos mortos, referindo-se a um outro grupo de sua gente que tinha subido pelo rio Paraíba. Um segundo acampamento foi feito e desta vez numa ilha, a de São Sebastião - Ilha Bela -, chamada assim pelos portugueses, e Maembipe pelos selvagens. Cunhambebe percorreu parte da floresta em volta do acampamento e afirmava não estarem longe do território inimigo.

Os Tupinambá acreditavam nos seus sonhos, principalmente se estes eram bons. Sendo assim, cada selvagem deveria estar muito atento aos presságios de felicidade. Após uma noite de festejos e danças, eles pediram ao alemão que ao dormir tivesse sonhos bons, mas o alemão disse não acreditar em sonhos porque eles poderiam ser enganosos. Então, pediram que intercedesse junto ao seu Deus para que eles conseguissem capturar muitos inimigos.

Ao partirem da ilha Maembipe, os selvagens queriam saber do alemão a sua opinião, do que viria acontecer. Hans Staden respondeu que deviam ser corajosos, pois os inimigos viriam de Boiçucanga ao encontro deles. Hans Staden sabia do que estava falando, pois no encontro a bordo do navio português tempos atrás, em conversa fora alertado do ataque Tupinambá. Os portugueses deixaram escapar que também, os Tupiniquim, pretendiam um ataque na mesma época. Neste confronto, o alemão planejava fugir dos selvagens já que Boiçuganga não ficava tão longe de onde os índios o haviam feito prisioneiro.

Lá vem os nossos inimigos, os Tupiniquim!” – assim gritaram os Tupinambá ao avistarem os inimigos vindo por trás da ilha em cinco canoas. Houve o confronto entre Tupiniquim e Tupinambá, estes últimos foram superiores com mais homens em suas 30 canoas. Mataram alguns e capturaram outros, entre eles dois mamelucos, os irmãos chamados Diogo e Domingos de Braga, que lutaram bravamente por mais de duas horas até que foram vencidos, e alguns Tupiniquim.

De volta da expedição, os Tupinambá acamparam em Maembipe e os prisioneiros que estavam gravemente feridos foram levados até a praia e mortos, sendo golpeados e cortados em pedaços segundo seus costumes. À noite foram assados estes pedaços que eram de mamelucos cristãos. Outros que ainda estavam vivos permaneciam amarrados em uma cabana de cativos. O alemão foi até uma das cabanas em que se encontravam dois prisioneiros irmãos, conhecidos dele na época que foi esteve em Bertioga. Eles conversaram e lamentaram a desgraça que viria a acontecer e, o alemão, ao mesmo tempo, tentava consolá-los. Choravam muito pensando no destino que os esperava, assim como os seus amigos que naquele momento serviam de carne assada aos selvagens.

Hans Staden obedecendo aos Tupinambá, afastou-se dos prisioneiros, após pronunciar mensagens de fé. Ao sair da cabana, olhou para outros prisioneiros espalhados pelo acampamento e naquele momento percebeu que estava sozinho, podendo fugir como havia planejado. Mas, em consideração aos prisioneiros que ainda estavam vivos, decidiu ficar. Achava que a ira dos selvagens seria grande e que com a sua fuga poderiam matar todos os seus camaradas.

Seguindo viagem de volta, os Tupinambá fizeram mais uma parada para acampar, agora mais próximos de sua terra. Hans Staden tentou em uma conversa persuadir Cunhambebe para evitar que aqueles prisioneiros fossem mortos e devorados. O grande chefe retrucou dizendo que, efetivamente, eles seriam comidos. Quando chegaram nas terras próximas da aldeia, os Tupinambá dividiram-se entre si os prisioneiros. Os prisioneiros da aldeia com os quais Hans Staden estava, eram oito. Dentro das cabanas foram guardadas as carnes assadas dos cristãos, enquanto preparava-se a bebida para a grande festa que pretendiam fazer. No dia seguinte, os índios continuaram a devorar as carnes assadas dos cristãos capturados em combate.

De acordo com os registros de Hans Staden, fica evidente a devoção do artilheiro alemão. Muitas vezes, talvez por coincidência ou, pela força da fé que o movia, sua vontade de viver. Hans Staden conseguiu convencer os índios, deixando-os admirados, fazendo com que estes acreditassem em um poder sobrenatural ou em uma espécie de proteção divina.

Este aspecto religioso que mobilizou Hans Staden no decorrer de sua aventura entre os Tupinambá fica em evidência em alguns episódios por ele mesmo relatados. O que sabemos por fontes primárias de cronistas da época é que Hans Staden chorava copiosamente de medo no início de seu cativeiro. As lágrimas provavelmente despertaram entre os índios, mais do que compaixão, certa rejeição que foi paulatinamente sendo substituída por essa admiração pelo espírito religioso que o salvava nos momentos mais difíceis de sua convivência entre estes guerreiros antropófagos.

Hans Staden costumava todos os dias rezar frente a uma cruz de madeira feita por ele. Um dia quando o alemão havia ido pescar juntamente com os selvagens, uma mulher retirou-a do lugar dando-a para seu marido, este a usaria como socador de conchas. O alemão ao voltar da pesca e perceber que não estava mais a cruz no lugar, ficou muito triste e desgostoso. Foram seguidos muitos dias de chuva na região e os selvagens recorreram ao alemão para que pedisse ao seu Deus o cessar das chuvas, pois já estavam em época de plantio.

Hans Staden, aproveitando-se deste fenômeno meteorológico, jogou a culpa sobre os selvagens pelas chuvas torrenciais dizendo que seu Deus estava bravo pela retirada da cruz de seu local. Os Tupinambá, acreditando novamente no poder de intervenção do alemão junto a seu Poderoso protetor, na mesma hora, construiu uma nova cruz, e como em um passe de mágica, ou melhor, em um verdadeiro milagre, as nuvens se foram e o belo astro rei voltou a brilhar.

Novamente, dias depois, em uma pescaria, o alemão e mais dois selvagens foram surpreendidos por uma tempestade de chuva que se aproximava da embarcação. Imediatamente, os índios parecendo já ter a certeza e acreditar que o Deus de Hans Staden fazia o que ele queria, pediram para que este intercedesse junto a Ele, podendo assim ter sucesso na pescaria e suprindo a falta de comida na aldeia. Comovido pelas palavras dos selvagens, o alemão suplicou a Deus, sabendo que assim reforçaria de vez esse poder. Terminado a sua oração divina, a chuva acompanhada de um forte vento, veio a poucos metros deles, permanecendo seco o local onde estavam. Um dos selvagens comentou: “Agora vejo que você falou com o teu Deus”. Este fato foi comentado por toda a aldeia, deixando a todos admirados.

No decorrer dos dias, os Tupinambá pretendiam realizar um festim na última noite do alemão na aldeia, pois no dia seguinte ele seria dado de presente a uma outra aldeia vizinha. Restavam três mamelucos cristãos vivos dos que foram capturados em combate anterior. Eram os irmãos Diogo e Domingos e mais outro chamado Antonio que juntamente com Hans Staden foram obrigados a beber e a ver os selvagens comerem pedaços assado de um outro cristão que já havia sido morto anteriormente. Restaram aos quatros orar e pedir a Deus misericórdia por aquela pobre alma que outrora habitara aqueles pedaços de carnes assadas que iriam ser devoradas. Ao despedir-se dos três prisioneiros, no dia seguinte, o alemão orientou-os a fugir quando fosse possível, utilizando-se da serra como caminho, onde seria difícil para os selvagens segui-los e assim o fizeram, conseguindo escapar. Já o alemão, partiu com destino a uma outra aldeia, Taguaraçu-tiba, sendo entregue ao chefe de nome Abati-poçanga. Recomendações a este novo dono do alemão foram feitas: como de não maltratá-lo, pois seu Deus era terrível contra aqueles que lhe faziam mal; e que em breve amigos e irmãos do mesmo chegariam com muitas mercadorias para serem trocadas por ele. Com estas recomendações o chefe Abati-poçanga o escolheu como seu convidado participando juntamente com seus outros filhos na caça e na pesca.
O alemão Hans Staden permanecia naquela nova aldeia, já há 14 dias quando ouviram tiros que vinham da direção do porto de Niterói, Rio de Janeiro. Eram os franceses que sabendo que Hans Staden estava mandou dois de seus melhores homens e já vivo entre os selvagens que o tinham capturado. Enviaram à aldeia dois homens que ao olharem o alemão, mal podiam acreditar no estado miserável em que se encontrava.

Hans Staden, cheio de felicidade os cumprimentou na língua dos Tupinambá. Os franceses, com muita pena, entregaram-lhe nas mãos umas roupas, dizendo-lhe que estavam ali para buscá-lo e assim levá-lo a bordo do navio. Hans pediu a um deles que dissesse ao chefe dos selvagens que era seu irmão e que muitos caixotes de mercadorias estavam no navio para a negociação da troca. Finalmente Hans Staden recuperou sua liberdade depois de cinco dias e muita conversa. O alemão deixava para trás uma parte de sua vida que jamais esqueceria, tanto que proporcionaram ao alemão os primeiros registros escritos e ilustrações sobre o Brasil e seus habitantes.

Assim, o alemão e artilheiro Hans Staden,cativo dos Tupinambá os descreve::

São gente bonita de corpo e estatura, homens e mulheres, igualmente (...) apenas, são queimados do sol, pois andam todos nus, moços e velhos... (Hans Staden, 1554)
Nos registros finais de sua aventura deixa gravado o seguinte louvor a Deus:
Assim, Deus todo poderoso, Deus de Abraão, Isaac e Jacó, ajudou a me livrar do poder desses horríveis e cruéis selvagens. Seja Ele louvado, enaltecido e honrado na pessoa de Jesus Cristo, seu filho querido, nosso salvador. Amém.
(Ibidem)

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CONFIRA NO DIA 12 DE JUNHO A  35 ª PARTE  DESTE ESPECIA 
" UBATUBA , ESPAÇO , MEMORIA E CULTURA "  
Livro editado em 2005 , autores Jorge Otavio Fonseca e Juan Drouguet


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