Os selvagens esclareceram ao cativo a relação amistosa que mantinham com os franceses, que os presenteavam com objetos como facas, espelhos, machados e outros utensílios e em troca, recebiam dos nativos o pau-brasil, algodão, pimenta, etc, . Já com os portugueses era uma relação de animosidade, marcada pela traição, pois, num um primeiro contato, os Tupinambá , foram capturados e entregues pelos portugueses aos adversários Tupiniquim, que gozavam da amizade dos lusos Muitos deles foram mortos com ajuda dos portugueses e devorados pelos selvagens, seus inimigos tradicionais.
Não conseguindo, através de seus argumentos, convencê-los que nada tinha a ver com a profecia, Hans Staden insistiu que não deveria ser morto antes de encontrar algum dos franceses que viviam entre os selvagens e que poderiam reconhecê-lo
Certo dia chegou a aldeia dos Tupinambá um francês chamado por eles de Caruatá-uára que morava a umas milhas dali. Sabendo da captura do artilheiro alemão foi lá constatar este fato. Hans Staden ficou feliz achando que de alguma forma o francês ajudaria, pois parecia ser um bom cristão. Em uma rápida conversa com o alemão não entendeu nada do que o alemão falava, dizendo logo em seguida aos selvagens que poderiam matá-lo, pois se tratava de um verdadeiro português, inimigo deles. Hans Staden, pensou no versículo no versículo bíblico do profeta Jeremias: “Amaldiçoado seja o homem que confia nos homens”. Então, abatido e muito triste voltou à sua cabana, deitou-se na rede, desamparado, cantava outros versículos em voz trêmula enquanto os selvagens preparavam a festa onde o matariam.
Cunhambebe era um dos mais distintos chefes dos Tupinambá. Morava em uma aldeia próxima a qual o alemão capturado se encontrava, chamada Ariró. Ele reuniu-se em uma festa regada a cauim com outros chefes que foram para ver o alemão e Hans Staden, foi levado ao encontro de Cunhambebe, o grande cacique. Ao chegar a aldeia, Hans Staden viu várias cabeças de Maracajá, inimigos dos Tupinambá, espetadas em mourões se apavorou sentindo-se prefigurado nesses crânios expostos. Cunhambebe tinha fama de ser um grande guerreiro e tirano, gostava de devorar seus inimigos. Hans Staden, ousadamente, foi em direção de quem lhe parecia ser Cunhambebe e disse: “Você é o Cunhambebe, você ainda vive?” – Ele respondeu olhando-o ferozmente: “Sim, eu ainda vivo.” - Staden disse: “Então muito bem, ouvi falar muito de você, e que você é um homem muito habilidoso.” Cunhambebe levantou-se e todo cheio de satisfação andava de um lado para o outro na frente do alemão. Observando-o, Staden reparava em todos seus adornos, atitudes e gestos que o faziam parecer o mais poderoso entre os caciques Tupinambá. Cunhambebe sentou-se a sua frente e ficou fazendo perguntas sobre seus inimigos portugueses e os Tupiniquim, querendo saber o que o alemão achava deles e se planejavam algo contra eles. Hans Staden, entre outras coisas disse que preparavam uma frota de 25 barcos e em breve atacariam, as aldeias Tupinambá.
Os selvagens continuavam a zombar do alemão ao mesmo tempo em que bebiam muito o cauim. O filho do Cunhambebe ameaçou Hans Staden e prendendo-lhe as pernas, amarraram seus pés fazendo o pular por toda a cabana. , de forma constrangedora. Aos gritos diziam: “Lá vem nossa comida pulando!” e apalpavam cada parte do seu corpo escolhendo o pedaço que pretendiam devorar. Na manhã do dia seguinte seria levado à Ubatuba onde seria morto
Mais uma vez o destino conspira a favor do alemão e o ataque por ele anunciado acontece . Chegam as 25 canoas em uma manhã e um grande confronto se estabelece entre as duas tribos inimigas. Os Tupinambá chegaram a ficar apavorados. Então o artilheiro alemão resolveu ajudá-los no ataque e com arco e flecha em punho começou a defender suas cabanas ,atirando e gritando ao modo dos selvagens. A intenção era escapar chegando até os atacantes que o conheciam, mas os Tupiniquim bateram em retirada e o alemão foi colocado sob guarda novamente.Na volta do ataque invadiram a aldeia de Mambucaba mas todos seus habitantes conseguiram fugir,embora cabanas tenham sido queimadas e a aldeia completamente destruída. Nhaêpepô-oaçú ordenou a Ipiruiguaçu, a quem havia dado o alemão de presente, que o vigiasse, pois partiriam a Mambucaba para reconstruir a aldeia onde tinham parentes e amigos, também trariam de lá farinha de raízes para festa em que comemorariam a morte do alemão.
Dias depois o irmão do chefe Nhaêpepô-oaçu veio de Mambucaba com a noticia de que seu irmão e família que moravam em Mambucaba, estavam muito doentes. Nhaêpepô-oaçu pediu ao irmão que voltasse e pedisse ao alemão, Hans Staden, que conseguisse junto a seu Deus a cura para todos eles. O selvagem disse: “Meu irmão acha que teu Deus está zangado”.- Respondeu o alemão: “Sim. O meu Deus está zangado, porque seu irmão queria me comer, foi à Mambucaba e lá este está preparando a minha morte. Vocês afirmam que eu sou português, e eu não sou!. Vá ao encontro de seu irmão. Ele precisa voltar para a cabana dele aqui. Depois eu falarei com o meu Deus para que ele fique bom.” - Assim o selvagem voltou à Mambucaba levando a resposta do alemão.
O retorno do chefe Nhaêpepô-oaçu e de sua família doentes à aldeia, fez com que Hans Staden fosse chamado à sua cabana. Ele já imaginava que isso fosse acontecer, pois se lembrou do dia em que comentou sobre a lua estar zangada e que ela olhava para a cabana do chefe, e de ter sido um presságio de Deus. Daí passou pela cabeça do alemão que poderia contar com Deus, e isso lhe garantiria a vida. Logo, o alemão, disse confirmando ao Nhaêpepô-oaçú que era verdade, que todos haviam ficado doentes porque eles queriam comê-lo e que a desgraça deles vinha deste motivo. O chefe deu ordens insistentes para que nada fizessem ao alemão e para que todos ficassem bem de saúde. Staden pediu a Deus e entregou a vida daqueles selvagens enfermos em suas mãos.
Aproximando-se de cada enfermo, Hans Staden fez imposição de mãos sobre suas cabeças como o exigia o ritual das curas. Mas, morreram um a um; primeiro, uma criança depois a mãe do chefe, e dias velha, um irmão do chefe e outra criança. O pai da família com medo da iminência da morte pediu, novamente ao alemão para que seu Deus parasse com a ira e o deixasse a ele e a sua mulher viver. O alemão o acalmou dizendo que não haveria perigo, mas que quando sarasse nenhum mal deveria lhe acontecer. Na hora, o chefe ordenou a todos que não o denegrissem e nem o ameaçassem. Dias depois, Nhaêpepô-oaçu e sua mulher, recuperaram-se.
Na aldeia encontravam-se mais dois chefes de aldeias vizinhas . Eles compartilhavam uma série de experiências, um deles havia sonhado com o alemão que teria anunciado sua morte. Tanto um como outro chefe estavam preocupados e sofrendo com os pesadelos, e diziam ao alemão que não lhe fariam mal e não o comeriam. Até as mulheres idosas que o haviam feito sofrer proferindo golpes, arrancando-lhe os cabelos, os pêlos e ameaçando-o em comê-lo passaram a chamá-lo de Chê-raira, quer dizer: “meu filho”, pedindo a este que não os deixasse morrer.
Cada vez mais indecisos em relação a nacionalidade do prisioneiro os selvagens decidiram poupá-lo por mais um tempo.
Caruatá–uára, o francês que tinha aconselhado os selvagens a comê-lo, voltou à aldeia de Ubatuba. Achava que Hans Staden já havia sido morto pelos selvagens. Encontrou-o dentro da cabana e na língua dos selvagens perguntou se ainda estava vivo. Staden respondeu: “Sim, e agradeço a Deus por ter-me protegido durante tanto tempo”. Como já tinha a liberdade de se locomover sem as amarras, procurou um lugar longe dos selvagens e assim poder conversar com o francês. Explicou todo o ocorrido na segunda viagem ao Brasil, que esteve entre os portugueses, pois tinha naufragado com os espanhóis nas proximidades de São Vicente. Pediu ao francês que contasse aos índios que ele era seu amigo e parente, e também que o levasse aos navios franceses que aportariam em breve ali perto em busca de especiarias.
O francês parecia arrependido de não tê-lo ajudado, portanto resolveu ajudá-lo desta vez, dizendo aos selvagens que se havia confundido e que Hans Staden era um alemão, amigo dos franceses. Mesmo assim, os Tupinambá só o deixariam partir, se o pai ou irmãos do alemão viessem com navios e trouxessem presentes como facas, tesouras, machados e outras mercadorias. O francês prometeu ao alemão que voltaria num outro navio com as mercadorias para atender ao pedido dos selvagens.
Algum tempo depois, os selvagens já com boa saúde, resolveram ir a uma aldeia chamada Tiocoaripe para comer um prisioneiro que pertencia à tribo dos Maracajá, amigos dos Tupiniquim, levando Hans Staden junto. Fariam uma festa, regada de cauim e logo depois, matariam o infeliz. Hans Staden conseguiu chegar até o prisioneiro na noite anterior ao dia da festa, conversou com ele por um tempo explicando que também era um prisioneiro dos Tupinambá e que não estava ali para come-lo. Tentou passar uma mensagem de paz ao espírito do cativo, afirmando que Deus o receberia em um lugar onde todos viviam sem diferenças, provocando resignação ante a iminência da morte.
Nesta mesma noite um forte vento soprou e os selvagens pensaram que o alemão havia pedido ao seu Deus para que não matassem e comessem esse prisioneiro com o qual havia estabelecido amizade e que era tão amigo dele como dos Tupiniquim. Hans Staden rogou a Deus pedindo que continuasse a protegê-lo daqueles selvagens, pois, entre eles voltavam a sussurrar a seu respeito. Ao amanhecer, o alemão foi até o escravo e disse que aquele forte vento da noite era Deus e que o levaria a presença Dele. No outro dia, depois de muita festa e cauim, enfim, os Tupinambá mataram e devoraram o prisioneiro da tribo Maracajá.
Ao voltarem para a aldeia de Ubatuba, chovia muito e a viagem se prolongou por três dias. No caminho, enquanto os selvagens devoravam a carne assada do escravo, Hans Staden observava com atenção um jovem que devorava um osso da perna O alemão pediu –lhe que o jogasse fora, pois não havia mais carne, e o jovem respondeu irado que era o costume deles comer com deleite carne humana. Depois que chegaram da demorada viagem, um dos dois senhores de Hans Staden, o Alkindar, perguntou-lhe se havia visto como tratam seus inimigos, este respondeu indignado que sim. Alkindar odiava Hans Staden, mas nada podia fazer contra ele, pois o havia dado ao Ipiru-guaçu respeitando uma das mais velhas tradições Tupinambá. Mesmo assim o alemão vivia sob a ameaça deste selvagem.
Texto integrante do Livro : UBATUBA , ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA - ED. 2005
CONTINUA...................Confira a sequencia deste especial , no dia 01 de junho, c oma publicação da 33 ª parte
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