terça-feira, 10 de maio de 2011

ESPECIAL " UBATUBA, ESPAÇO, MEMÓRIA E CULTURA " 31 ª PARTE


A tripulação parecia estar completamente perdida naquela terra desconhecida, sem saber se estavam perto ou não de São Vicente. Um dos camaradas, o francês Cláudio, consegue localizar um povoado, uma aldeia de portugueses que se chamava Itanhaém. Depois de explicar o ocorrido aos habitantes daquele povoado, toda a tripulação recebeu ajuda, roupas limpas e alimentação. Dias depois, tendo se recuperadoseguiram viagem, duas milhas até São Vicente. Lá, foram bem acolhidos pelos portugueses e permaneceram por algum tempo trabalhando para o auto –sustento, Hans Staden, descreveu a ilha de São Vicente e a situação dos portugueses que ali viviam dizendo tratar-se de uma ilha próxima a terra, com dois povoados, um São Vicente e outro Enguaguaçu. Na ilha predomina a produção do açúcar em engenhos chamados também de “quintas”.





 A aldeia dos selvagens Tupiniquim, amigos dos portugueses, ficava nesta ilha estendendo seus domínios mata adentro, longe das costas. Mas, outras tribos, outros selvagens inimigos dos Tupiniquim e dos portugueses também ocupavam essas terras: Ao sul, osCarijós e ao norte os temidos guerreiros Tupinambá também chamados na região de Tabajara, quer dizer donos da taba, aldeia ou casa principal destes índios litorâneos.
Bertioga era um povoado onde os Tupinambá costumavam chegar em expedições guerreiras, confrontando-se com os portugueses e osTupiniquim. Nas suas investidas, alcançavam São Vicente, por isso os portugueses construíram um forte com a intenção de proteger-se dosTabajara, impedindo com que avançassem ilha adentro Mesmo com este forte, os Tupinambá conseguiram invadir o povoado de Bertioga e aprisionar seus moradores. Mataram e despedaçaram os corpos dos vencidos, distribuindo-os entre si e, vitoriosos, voltaram para suas aldeias ao norte da região.
Como Bertioga era um lugar estratégico, os portugueses decidiram fortificá-la ao máximo para defender a região e o povoado onde desejavam viver. Os Tupinambá, muito astutos e valentes, ainda assim conseguiram avançar e alcançar São Vicente fazendo muitos prisioneiros, devastando casas e aprisionando seus moradores. Os pêros, forma como os portugueses eram chamados pelos indígenas, construíram uma casa do outro lado de Bertioga, na ilha de Santo Amaro, ocupando-a com uma artilharia pesada, numa tentativa de impedir o avanço dos selvagens inimigos. Mas, ainda temerosos e não totalmente confiantes na segurança do local, convidaram o artilheiro Hans Staden para o reconhecimento. Ele concordou em permanecer por quatro meses na ilha, controlando os inimigos, mediante pagamento e com algumas pessoas a sua disposição. Após esse período um encarregado do Rei de Portugal, deveria vir com navios e construir um forte melhor.
Vencido o prazo estipulado, o alemão foi sondado pelo então Governador a ficar mais dois anos neste posto. Foi-lhe prometido, que ao final do prazo, poderia voltar a Portugal e receber uma recompensa pelos seus serviços, estando essas cláusulas estabelecidas em um contrato feito em nome do Rei. No forte, Staden se manteve por esse tempo, reforçando a fortificação com pedras e com canhões , os quais ficaram sob sua responsabilidade e guarda.
Hans Staden tinha como escravo um Carijó, selvagem que o protegia e costumavam ir à caça juntos, adentrando-se na floresta. Certo dia, o alemão mandou seu escravo caçar sozinho. Passado os dias, Staden foi então, ao encontro do seu carijó na floresta quando uma gritaria rompeu por todos os lados da mata. Eram os Tupinambá, que o cercaram com arcos e flechas e o maltrataram com socos, pontapés, golpes de lança, deixando-o nu. Entre os Tupinambá, deu-se uma feroz briga pela captura de Hans Staden. Resolveram então levá-lo até o mar onde suas canoas beiravam a praia. Outros indígenas vieram também em direção do artilheiro alemão, considerado a partir desse momento um prisioneiro cujo destino era morte num ritual antropofágico.
Pensando haver capturado um peró , os Tupinambás pretendiam, com sua morte, vingar seus antepassados e amigos. Hans Staden esperava um golpe mortal a qualquer momento, então chorava muito e rogava a Deus pedindo sua proteção. Selvagens de várias aldeias brigavam pelo direito a um pedaço do alemão, e o chefe da tribo decidiu exibi-lo vivo para que todos o vissem e se deleitassem com a visão da futura vítima , durante uma festa regada a cauim, um tipo de bebida feita à base de mandioca fermentada. Amarraram pelo pescoço de Hans Staden e o colocaram em uma das canoas para seguir viagem de volta à aldeia de origem.
A viagem foi longa, com paradas em ilhas onde Hans Staden era tratado como um animal caçado e que em breve seria abatido e devorado. O sofrimento do alemão só estava começando. Em meio a muita aflição e tristeza ele cantava com lagrimas nos olhos e do fundo do coração o salmo: “Do fundo da miséria clamo pelo Senhor”. Os indígenas o mantiveram amarrado com uma corda no pescoço em uma árvore, ridicularizando-o ao mesmo tempo em que gritavam: Chê reimbaba idé, que quer dizer: “Você é meu animal aprisionado”.
Os Tupinambá costumavam remar durante o dia. Certa vez, ao cair da noite, uma tenebrosa tempestade se anunciava provocando medo entre indígenas. fazendo com que estes pedissem ao alemão a intercessão junto ao seu Deus, para que a chuva e o vento não trouxessem danos a sua tribo. Hans Staden atendeu ao pedido, orando ao Senhor do céu e da terra, mostrando a sua misericórdia para os descrentes que o tinham capturado. Aconteceu, que logo as nuvens negras se afastaram e o alemão agradeceu à Deus que mais uma vez tinha ouvido sua súplica trazendo bom tempo. Mesmo ante a eminência do milagre, os selvagens mantiveram-no amarrado por cautela.
Após três dias de viagem se aproximavam de suas habitações que estava a 30 milhas marítima (55.560 km) de percurso. Quando chegaram à aldeia, lugar chamado de Ubatuba, Staden observou que se tratava de uma aldeia com sete cabanas frente a uma praia1. O alemão foi forçado pelos índios a gritar em alto e bom som enquanto entrava na aldeia: Aju ne xé pee remiurama. – querendo dizer: “Estou chegando, sou a vossa comida”.
O prisioneiro foi entregue às mulheres que o rodeavam, cantando e dançando. No interior da caiçara, uma fortificação de longos e grossos varapaus, formava uma grande cerca. As mulheres jogaram-se contra o alemão e o golpearam, arrancando-lhe a barba e dizendo a cada golpe:Xe nama poepika aé. – quer dizer: “Com este golpe vingo o homem que foi morto pelos teus amigos”. Enquanto isso, os homens, em outra cabana, cantavam em honra dos seus ancestrais com maracás, chocalhos usados para dar ritmo as suas danças regadas a muito cauim.
Hans Staden ainda não tinha conhecimento dos costumes Tupinambá, então não podia imaginar o que lhe aconteceria a seguir, só tinha a certeza que seria devorado. Dois irmãos, Nhaêpepô-oaçu e Alkindar-miri, que o tinham capturado, pretendiam dá-lo de presente ao irmão do pai: Ipiru-guaçu, provando o grande laço afetivo entre eles2. De novo entregue às mulheres, o alemão era puxadopelo braço e pela corda que levava amarrada ao pescoço, dificultando a sua respiração. Staden foi arrastado até uma cabana do chefe Guaratinga-açu - Grande Pássaro Branco, fizeram–no sentar e uma das mulheres raspou suas sobrancelhas e queria cortar a sua barba, mas ele não permitiu. E, com dignidade e fé, esperava o final de sua agonia que tardava a chegar
Entregue a Ipiru-guaçu,, um selvagem que o guardaria durante o tempo de sua permanência na aldeia, foi conduzido a uma cabana, onde vários líderes sentaram –se a sua volta e começaram a conversar. Falaram à respeito de uma profecia sobre um português que seria capturado e Hans Staden , declarando-se amigo e parente dos franceses, tenta esclarecer o equivoco mas encontra dificuldade em convencê-los, pois conheciam sua ligação com os portugueses. Os selvagens esclareceram ao cativo a relação amistosa que mantinham com os franceses, que os presenteavam com objetos como facas, espelhos, machados e outros utensílios e em troca, recebiam dos nativos o pau-brasil, algodão, pimenta, etc, . Já com os portugueses era uma relação de animosidade, marcada pela traição, pois, num um primeiro contato, os Tupinambá , foram capturados e entregues pelos portugueses aos adversários Tupiniquim, que gozavam da amizade dos lusos Muitos deles foram mortos com ajuda dos portugueses e devorados pelos selvagens, seus inimigos tradicionais. Não conseguindo, através de seus argumentos, convencê-los que nada tinha a ver com a profecia, Hans Staden insistiu que não deveria ser morto antes de encontrar algum dos franceses que viviam entre os selvagens e que poderiam reconhecê-lo
1 Este lugar chamado Ubatuba, aldeia esta onde Hans Staden permaneceu por cerca de nove meses, está localizada em Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. Indo contra a idéia mais conhecida de ter sido especificamente em Ubatuba, cidade do litoral norte de São Paulo, onde estivesse ocorrido o episódio do cativeiro. (ver Hans Staden – Meu cativeiro entre os selvagens do Brasil, Rio de Janeiro – sem data). 2 O gesto dos dois irmãos para com seu tio Ipiru-guaçu, relatado por Hans Staden confirma a idéia descrita nos itens anteriores do nosso livro sobre os fortes laços parentais entre os Tupinambá. Tais mostras de amizade e fraternidade determinavam o valor do patrimônio ancestral e familiar como o princípio e fim da honra Tupi que impulsionava a estes guerreiros do litoral brasileiro ante a eminente chegada e invasão dos estrangeiros.


PRÓXIMO PARTE  A  SER PUBLICA , A 32 ª DESTE ESPECIAL, CONFIRA NO DIA 20 DE MAIO DE 2011 ....AQUI...PAGINAS 175 A 180  - DO ORIGINAL DO LIVRO..

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