Hans Staden pediu encarecidamente a seus camaradas algumas mercadorias para negociar a sua estabilidade entre os nativos que em seguida foram a buscá-las no navio. Quando percebeu que iam proibi-lo de continuar conversando com os portugueses, avisou-os de um possível ataque no mês de agosto em Bertioga. Os portugueses disseram que também os selvagens, Tupiniquim, iriam atacá-los. O alemão lamentou ainda não ser, desta vez, libertado e pediu a Deus que o ajudasse a sair deste conflito de interesses no qual ele se tinha transformado em um astuto mediador.
Voltando à aldeia o alemão disse aos Tupinambá que foi o seu irmão que havia dado os presentes e que voltaria a sua terra natal afim de trazer mais mercadorias para eles e também para buscá-lo. O alemão, para agradar os índios menciona que em conversa com seu irmão, lhe disse que eles eram pessoas ordeiras e o tratavam bem, por isso, deveria compensá-los com tais mercadorias em forma de gratidão. Daí em diante os selvagens o trataram melhor e com respeito. Desta forma os nativos passaram a considerar o alemão como um a mais entre eles, integrando-o nos afazeres do dia-dia, levando à floresta para caçar, e para o exercício da pesca.
Mais uma vez, Hans Staden estava prestes a presenciar um ritual de antropofagia naquela aldeia. Desta forma, a morte do indivíduo que viraria carne assada, serviria para que se reforçasse a ligação poderosa do alemão com Deus, uma vez que este episódio deixa de manifesto a clarividência do cativo alemão a respeito dos fenômenos humanos naturais que afetavam à aldeia.
A história da vítima do ritual antropofágico é de um índio Carijó servo dos portugueses, que fugiu destes para encontrar abrigo entre os Tupinambá. Há três anos de sua permanência na aldeia, este mesmo Carijó afirmou ter visto Hans Staden entre os portugueses e começou acusá-lo de disparar com arma de fogo contra os Tupinambá, em expedições guerreiras. Além do mais, responsabilizou-o pela morte de um dos chefes desta tribo, instigando os indígenas a matá-lo por ser inimigo dos mesmos. Era improvável este fato, pois se o Carijó estava há três anos com os Tupinambá e o alemão contava apenas um ano de sua chegada em São Vicente, como poderia tudo isto ser verdade? Mas no sexto mês da permanência de Hans Staden entre os selvagens, o servo Carijó caiu muito doente. Foi pedido ao alemão que o curasse através da intercessão de seu Deus, e assim voltasse a ter saúde para poder caçar na selva. O alemão tentou por alguns dias curá-lo e quando os selvagens o indagaram sobre a saúde do escravo, este respondeu que de nada adiantaria, pois já nada mais podia fazer pelo Carijó. Os nativos então acharam que deveriam sacrificá-lo em banquete antes que morresse fruto da doença que o afetava e assim o fizeram.
No ritual, o chefe Guaratinga com mais dois selvagens proferiu-lhe um golpe certeiro na cabeça com tanta força que fez com que os miolos voassem longe. Os selvagens demonstravam a viva voz vontade de devorá-lo. Hans os advertiu dizendo que não seria bom comê-lo, pois este estava doente e podia contaminá-los. Ficaram parados e assustados sem saber o que fazer quando um homem se aproximou ordenando que as mulheres fizessem uma fogueira para assar o corpo. Decapitou o indivíduo jogando fora a cabeça e logo assaram o corpo fazendo com que a pele se desprendesse, o cortaram em vários pedaços iguais e assim o dividiram entre eles.
A morte deste indivíduo serviu para reforçar a idéia que Hans tinha uma ligação forte com seu Deus, e que este falecera em decorrência da fúria divina pelo testemunho falso que levantara contra o alemão que proferia em alto e bom som: “... Meu Deus agirá dessa forma com todas as pessoas más que me causaram ou causarão sofrimento!”. Isso levou a muitos dos selvagens a ficarem temerosos de Hans Staden.
Estava chegando a época em que os Tupinambá iriam guerrear contra os seus grandes inimigos, os Tupiniquim e os portugueses. Hans Staden queria tentar uma fuga, pois achava que o deixariam na aldeia junto às mulheres. Nesse meio tempo, houve noticias de um navio francês que teria atracado em um porto a oito milhas de Ubatuba, no Rio de Janeiro, chamado pelos selvagens de Niterói. Neste porto, também os portugueses faziam o carregamento, negociavam pau-brasil , outras várias especiarias, como pimenta, além se macacos e papagaios. Era o momento propício para pensar na fuga.
Um dos navios chegou até a aldeia de Ubatuba mas Hans Staden foi impedido de chegar a bordo. Quando os franceses iam partir, o alemão mais do que nunca pensou que poderia ser aquela sua chance, entregou-se na mão de Deus e antes mesmo que o navio partisse correu até a praia, sendo perseguido pelos selvagens. Ele nadou até a embarcação, mas os franceses não o deixaram subir, achando que se o levassem os selvagens se revoltariam contra eles. Desolado o alemão voltou à praia onde os selvagens os esperavam contentes. Staden, disfarçando a fuga, disse que havia ido apenas até os franceses para pedir que trouxessem mais mercadorias, agradando-os e os deixando-os assim satisfeitos.
Chegou então, o dia da expedição guerreira dos Tupinambá.Um total de 38 canoas com uma média de 18 homens cada foram reunidas. Cunhambebe estava entre os líderes desta aventura guerreira. Exatamente aos 14 dias do mês de Agosto de 1554, partiram os Tupinambá rumo à Bertioga onde pretendiam, escondidos na floresta, próximos ao povoado, capturar seus inimigos. Neste período do ano costuma haver a chamada piracema, um movimento de cardumes de peixes chamados de tainhas, lisas em espanhol e piratis pelos indígenas, que sobem o rio para desovar. Nesta época os selvagens costumavam praticar as guerras, tanto os Tupinambá quanto os Tupiniquim aproveitavam este momento do deslocamento para eles também se mobilizar.
Portanto, os Tupinambá levaram Hans Staden nesta expedição guerreira, por ordem de Cunhambebe, desfazendo desta maneira todo seu projeto de fuga. Nas proximidades da Aldeia de Iperoig, soprava um forte vento e os selvagens questionaram ao alemão o que poderia significar aquilo. O alemão disse em tom profético que estava soprando sobre muitos mortos, referindo-se a um outro grupo de sua gente que tinha subido pelo rio Paraíba. Um segundo acampamento foi feito e desta vez numa ilha, a de São Sebastião - Ilha Bela -, chamada assim pelos portugueses, e Maembipe pelos selvagens. Cunhambebe percorreu parte da floresta em volta do acampamento e afirmava não estarem longe do território inimigo.
Os Tupinambá acreditavam nos seus sonhos, principalmente se estes eram bons. Sendo assim, cada selvagem deveria estar muito atento aos presságios de felicidade. Após uma noite de festejos e danças, eles pediram ao alemão que ao dormir tivesse sonhos bons, mas o alemão disse não acreditar em sonhos porque eles poderiam ser enganosos. Então, pediram que intercedesse junto ao seu Deus para que eles conseguissem capturar muitos inimigos.
Ao partirem da ilha Maembipe, os selvagens queriam saber do alemão a sua opinião, do que viria acontecer. Hans Staden respondeu que deviam ser corajosos, pois os inimigos viriam de Boiçucanga ao encontro deles. Hans Staden sabia do que estava falando, pois no encontro a bordo do navio português tempos atrás, em conversa fora alertado do ataque Tupinambá. Os portugueses deixaram escapar que também, os Tupiniquim, pretendiam um ataque na mesma época. Neste confronto, o alemão planejava fugir dos selvagens já que Boiçuganga não ficava tão longe de onde os índios o haviam feito prisioneiro.
“Lá vem os nossos inimigos, os Tupiniquim!” – assim gritaram os Tupinambá ao avistarem os inimigos vindo por trás da ilha em cinco canoas. Houve o confronto entre Tupiniquim e Tupinambá, estes últimos foram superiores com mais homens em suas 30 canoas. Mataram alguns e capturaram outros, entre eles dois mamelucos, os irmãos chamados Diogo e Domingos de Braga, que lutaram bravamente por mais de duas horas até que foram vencidos, e alguns Tupiniquim.
De volta da expedição, os Tupinambá acamparam em Maembipe e os prisioneiros que estavam gravemente feridos foram levados até a praia e mortos, sendo golpeados e cortados em pedaços segundo seus costumes. À noite foram assados estes pedaços que eram de mamelucos cristãos. Outros que ainda estavam vivos permaneciam amarrados em uma cabana de cativos. O alemão foi até uma das cabanas em que se encontravam dois prisioneiros irmãos, conhecidos dele na época que foi esteve em Bertioga. Eles conversaram e lamentaram a desgraça que viria a acontecer e, o alemão, ao mesmo tempo, tentava consolá-los. Choravam muito pensando no destino que os esperava, assim como os seus amigos que naquele momento serviam de carne assada aos selvagens.
Hans Staden obedecendo aos Tupinambá, afastou-se dos prisioneiros, após pronunciar mensagens de fé. Ao sair da cabana, olhou para outros prisioneiros espalhados pelo acampamento e naquele momento percebeu que estava sozinho, podendo fugir como havia planejado. Mas, em consideração aos prisioneiros que ainda estavam vivos, decidiu ficar. Achava que a ira dos selvagens seria grande e que com a sua fuga poderiam matar todos os seus camaradas.
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Materia extraida do livro Ubatuba , espaço, memoria e cultura - ed. 2005
CONFIRA A 6 ª PARTE DESTA MINI SERIA A SER PUBLICADA NO DIA 10/05/2011
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