terça-feira, 22 de março de 2011

ESPECIAL UBATUBA , ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA - 25 ª PARTE

Existem várias versões para a história dos gêmeos míticos, entretanto, o que fica em evidência é a diferença entre os dois, o filho de Maire – Atá é sempre considerado o mais forte e o mais resistente. Seu irmão é sempre inferior, incapaz de sair vitorioso porque é reduzido a pedaços ou devorado pelos monstros. A rivalidade neste caso é salientada em função de ser o filho bastardo.

Alguns antropólogos interpretam o mito dos irmãos gêmeos como análogo aos ciclos solar e lunar, pois em algumas dessas tradições, os filhos foram transformados no sol e na lua, relevando a diferença da natureza e da origem de ambos . A prova do caráter lunar de um dos gêmeos se vê nos incidentes que lhe ocorrem: reduzido aos pedaços e devorado como mencionamos anteriormente, mas o ressurgimento sob a forma inicial remete, como afirma Métraux, as fases do eclipse lunar.



Existe um terceiro grande caraíba chamado de Maire – Pochy que se distancia de certo modo do laço parental de Monan. No entanto, em alguns relatos da tradição oral dos Tupinambá aparece como a personificação do sol. Sustentado em que todos os heróis – civilizadores dos Tupinambá são a encarnação do astro rei, Métraux, relaciona-o com Monan. Segundo a lenda, Maire – Pochy e sua mulher foram expulsos da aldeia e refugiaram-se no mato onde plantaram grandes extensões e usufruíram os frutos da colheita. Maire – Pochy convidou a seus cunhados que estavam sendo ameaçados pela fome, para partilhar desses frutos. Tudo isto resultou em um grande mal para a tribo, pois toda a família foi transformada em diversos animais. Uma outra versão analógica a esta de Maire – Pochy diz que Tatu – Tunpa e Aguara – Tunpa, transfigurados em animais, apresentam-se em uma aldeia para desposar à filha de Morubixaba destinada a Tutu – Tunpa, mas concedida a Aguara – Tunpa que havia desfigurado seu rival, assim Tutu – Tunpa foi forçado a ficar com a mais feia das filhas do cacique. Para demonstrar a sua braveza Tutu – Tanpa devastou a mata e, em um fechar de olhos, a cobriu de frutas e legumes.

Uma outra lenda explica o aparecimento de uma ave. Maire – Pochy cansado de sua esposa retorna ao céu sendo seguido por, um dos filhos que, como castigo, foi transformado em rochedo. Esse filho usava um chapéu que parecia feito de penas, mas na verdade era de línguas de fogo. Retornando para seu estado primitivo e fazendo uso de tal adereço, certa vez um homem pediu-lhe o chapéu emprestado, sofrendo conseqüentemente graves queimaduras. Desesperado jogou-se em uma lagoa a fim de apagar o fogo abrasador, sendo transformado em saracura1 .

Diversas imagens nos oferecem os mitos Tupinambá, dependendo da região do litoral em que foram concebidos, mas gostaríamos apenas de destacar um outro mito com Maire – Pochy, pela sua riqueza imaginária ao explicar o dia e a noite “O sol usava uma coroa de penas de arara, vermelhas e abrasantes”. Vindo para o oriente, lá deixou seu chapéu, dando origem desse modo ao ocaso. Certo homem matou o sol jogando-lhe na cabeça frutas de anajá e assim surgiu a noite. Os cinco filhos do sol procuraram usar a coroa paterna, tomada pelo assassino, mas nenhum conseguiu suportá-la na cabeça a exceção do mais moço, que a partir de então seguiu a trajetória do pai, regularizando desta forma a alternância do dia e da noite.

A arte de fazer fogo por fricção também é bem pitoresca na narrativa Tupinambá. Um caraíba de nome Bicbotou, que significa trovão e parece ser corruptela de ybytu, a vibração, o vento, o hálito da terra ou o sopro da mesma. Bicbotou transmitiu o conhecimento sobre o fogo a seus pais em sonho, durante a noite, logo após o dilúvio. Thevet atribuiu o fogo a Irin – Pagé ou aos filhos de Sommay, o que permite a Métraux supor que Bicbotou seria um desdobramento de Irin-Pagé.

Ives d’ Évreux registra as palavras de um indígena que diz: “nossos pais ensinaram, por tradições transmitidas de boca em boca, que apareceu antigamente, um grande maratá de Tupã, isto é, um enviado de deus, que andou por estas terras, transmitindo-lhes o conhecimento de varias coisas. Foi esse maratá, por exemplo, que lhes deu a mandioca, que é a raiz com a qual se faz o pão (pois até então, só se alimentavam nossos pais com as raízes silvestres)” (D’Évreux apud Métraux 1979:) Ao perceber que os antepassados não levaram em conta suas palavras, afastou-se deixando como testemunha de sua passagem registros na rocha, sinais escritos de seus ensinamentos, imagens de seus pés.

A tradição Tupinambá menciona a visita de homens brancos, vestidos e com barba que falavam de um Deus e de uma outra vida, um dos quais se chamava Tomé e que os ensinou a plantar e colher a mandioca. Os traços humanos tão recorrentes nos textos sobre os pés são, segundo Métraux, vestígios da erosão, sendo assinalados apenas nas proximidades do mar e do curso das águas, chamavam a atenção dos Tupinambá que achavam que era obra de seu grande herói civilizador. Thevet refere-se às lendas dessas pedras nas quais podiam observar-se sulcos de verga ou de vereta, assim como os traços de pés atribuídos ao grande caraíba, Tatá, que tinha transmitido o conhecimento e uso do fogo e a maneira de cultivar certas raízes, pois antes os selvagens, iguais aos animais, alimentavam-se de folhas, ervas e frutas produzidas pelas árvores. Os silvícolas conservavam essas pedras como verdadeiros totens. Conta –se que após a morte de Irin – Pagé e de seus seguidores transmutados em estrelas brilhantes, Coroubsoux, isto é, o sol, ordenou às demais estrelas que em recordação de Monan conduzissem as santas pedras para a terra com o fim de levar à humanidade a reverenciá-las, em memória ao ilustre caraíba.

1 Espécie de frango da água.


CONFIRA    A  26 ª PARTE  DESTE ESPECIAL, A  SER PUBLICADA NO DIA 30/03/2011,  COM  A  PUBLICAÇÃO DAS PAGINAS : 144 (FINAL/PAGINA) ATÉ A PAGINA 148.

ESTE  É O  ESPECIAL DO LIVRO "  Ubatuba, espaço, memória e cultura " , editado em 2005 , autores Jorge Otavio Fonseca e Juab Drouguett.

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