sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

ESPECIAL UBATUBA, ESPAÇO , MEMORIA E CULTURA - 17 ª PARTE

3. O DIA A DIA DE UBATUBA, DO NASCER AO POR DO SOL

O título escolhido para o fechamento deste primeiro capítulo diz respeito ao cotidiano da cidade, objeto de estudo. Um cotidiano sustentado pelo turismo e pela pesca, atividades do dia a dia de Ubatuba que permitem que esta funcione no contexto contemporâneo de sua urbanização.

Ubatuba é uma área turística importante do litoral brasileiro pelos admiráveis atrativos naturais e pela riqueza de suas tradições culturais como vimos nos itens anteriores. Por isso, nos permitiremos ensaiar algumas considerações a respeito deste interstício entre a pesca e o turismo que nos mobilizou nesta aventura de escrever sobre este destino turístico e reforçar a consistência do que sua cultura autóctone foi capaz de produzir.


A política em torno da conservação destes atrativos, a preservação do meio ambiente e a exploração do turismo como atividade da economia sustentável tem despertado o interesse de entidades ligadas ao turismo, a pesca e a economia de modo geral, com o fim de garantir uma infra - estrutura suficiente que permita a seus habitantes e turistas gozar dos benefícios do progresso social.

O turismo é hoje em dia de importância vital para um grande número de seres humanos do planeta, ao mesmo tempo, uma indústria expressiva em termos econômicos. Entretanto, não tem sido reconhecido o suficiente nos meios acadêmicos, que de alguma forma, questionam as políticas públicas e as iniciativas privadas no sentido de garantir a competência no exercício da cidadania e a atuação ética na interação humana.

A positivação que queremos dar à atividade turística tem como ponto de partida, a natureza subjetiva da viagem onde encontramos os verdadeiros valores que fazem com que os seres humanos procurem a paz e o prazer do descanso, no lazer e na prática esportiva.

Portanto, toda e qualquer política do turismo deve respeitar o ser humano - na sua dignidade, no seu direito – e o meio ambiente, deve buscar e seguir um objetivo fundamental: assegurar e otimizar a satisfação das necessidades turísticas dos indivíduos e de todas as camadas sociais levando em consideração os interesses da população local. Neste sentido, assinalado por Jost Krippendorf em Sociologia do Turismo – para uma nova compreensão do lazer e das viagens (2000), fundamentaremos a nossa preocupação com o futuro do turismo na cidade de Ubatuba. O turismo não se centra única e exclusivamente nas suas finalidades econômicas como já enunciamos na obra Mídia, imagens do turismo – uma proposta de desenvolvimento teórico para as áreas de comunicação e turismo, recentemente lançado no mercado, ele está ligado diretamente com o fator humano que possibilita ou não o desempenho dessa atividade dentro do contexto de uma sociedade organizada capaz de satisfazer as necessidades básicas de sobrevivência de seus habitantes (Droguett, 2004: 13).

Então, por que a pesca e o turismo marcam certo descompasso em termos da economia local de Ubatuba?

Tanto os turistas que visitam Ubatuba como seus habitantes oferecem uma imagem da cidade comprometida com a natureza e as tradições culturais. No entanto, esta última questão até agora não passa das boas intenções e de iniciativas que não fazem o verão do Município. O sensacionalismo a respeito da paisagem de Ubatuba opaca a cultura local que surgiu e se estabilizou no litoral graças à arte de pescar.

A mudança de atitude por parte da comunidade local constitui a primeira força tarefa que pode vir a gerar um maior desenvolvimento do turismo e da pesca, ainda em moldes artesanais e industriais de pequena escala para a economia de Ubatuba e região1.

Peixes e outros recursos marítimos são fontes de alimento, comércio e recriação desde tempos muito antigos. Achados arqueológicos indicam que a pesca era uma fonte importante de alimento para as sociedades primitivas, em períodos anteriores à agricultura2.

Os primeiros registros de habitantes do litoral brasileiro são de um povo conhecido como “casqueiro” ou “povo dos sambaquis”, chamados assim devido aos restos alimentares que deixavam formando pilhas de conchas de mariscos, ostras, ossos de peixes, aves e ossos humanos. Pesquisas recentes sugerem a utilização de técnicas aprimoradas de pesca baseadas na análise de otólitos de peixes. Eram provavelmente nômades, suas pilhas podem ser encontradas próximas dos manguezais, beiras de rios e lagos; e, até em localidades distantes da praia, evidenciando a diferenciação dos períodos glaciais no nível do mar.

A chegada dos portugueses ao Brasil deu origem ao mercantilismo e à expansão comercial do século XVI, os advindos do Velho Continente se depararam com a florescente cultura Tupinambá que se estendia do litoral norte do Estado de São Paulo até o Rio de Janeiro. Os Tupinambá no século XVI e XVII ocupavam regiões do Brasil meridional e setentrional, segundo Florestan Fernández na sua célebre obra Organização social dos Tupinambás (1963), não existe precisão sobre a área ocupada por estas tribos, contudo José de Anchieta que conheceu intimamente essa cultura no seu trabalho de evangelização para a Companhia de Jesus, situa seus limites entre Cabo Frio – Rio de Janeiro e São Sebastião – São Paulo.

Cronistas da época como Hans Staden e Jean de Léry descrevem o modo de vida Tupinambá dependente dos recursos marinhos, praticando a coleta e a aplicação de técnicas variadas de pesca com arco e flecha, redes rudimentares, covos e as “tapagens” possíveis precursoras do cerco fixo. Além de flechas eram usadas, segundos os cronistas, espinhas à feição de anzóis, presas a linhas feitas de tacum; utilizadas na pesca em ribanceiras e à margem de rios. Os índios conheciam técnicas de conservação de pescado como peixe “mosqueado” no fogo.

Especializaram-se na construção de jangadas que flutuavam e nas quais navegavam mar adentro utilizando um bastão chato como remo. Usavam também canoas feitas de troncos de árvores empregadas com fins de pesca ou de expedições guerreiras nas quais os Tupinambás mostravam todo o valor de sua força no remo e em grandes viagens.

Os Tupinambás alimentavam-se da caça, da pesca e do cultivo onde plantavam principalmente raízes como batata-doce, mandioca, inhame, nas chamadas “roça de toco”, precursora da lavoura caiçara, que consiste na derrubada de um trecho da mata e posterior queima, utilizando o solo para a agricultura itinerante onde, fazia-se o plantio durante determinado tempo e depois deixava-se a vegetação restabelecer-se, passando a cultivar um outro terreno.

Durante a colonização, o peixe foi um alimento indispensável na mesa das fazendas e dos engenhos. Crônicas relatam sua importância na economia regional. Do contato com os europeus vieram as doenças e epidemias causando mortes coletivas. Os que conseguiram sobreviver submeteram-se ao trabalho escravo. Os Tupinambás foram dizimados, sem deixar traço nenhum, cabe salientar a ocupação de seus territórios pelas tribos Tupiniquins que resultou na miscigenação do índio com o branco, surgindo assim o mameluco, estes se multiplicaram rapidamente dando origem ao povo que habita o litoral desde o sul de Rio de Janeiro até o Paraná e que hoje é reconhecido com o nome de caiçara3.

A colonização extrativista e exploradora à qual foi submetida a população oriunda do Brasil tinha como objetivo a extração mineral e a exportação de espécies vegetais como o pau – brasil, a cana de açúcar. A cultura da cana não chegou atingir o litoral, a cana era usada única e exclusivamente para a produção de aguardente, a memória está registrada nos alambiques e engenhos de Casanga, Lagoinha e da Casa da Fazenda. Na década de 30 a principal atividade econômica, era o café, tanto no litoral como na região vizinha do Vale do Paraíba. Com a queda da bolsa em 1929, Estados Unidos diminuiu a importação e o preço do café. Sendo o café a base da economia nacional causou uma grande crise de desemprego cuja fonte era esta monocultura que estava falida. Grande parte do contingente deslocou-se para o litoral e passou-se a desenvolver uma agricultura de subsistência e complementarmente a pesca.

Este é o momento auge do litoral ubatubense, o período da tainha nos cercos da praia. Conjuntamente se dá o grande momento das canoas de voga que transportam excedentes de produtos agrícolas, peixe seco, aguardente e pessoas para os centros urbanos, trazendo de volta produtos como tecido, querosene, anzóis, etc. A partir de 1929, as canoas de voga caem em desuso com o surgimento do barco à motor.

A criação das estradas na década de 60, a dependência dos atravessadores aumentou, assim como o turismo em Ubatuba e a especulação imobiliária que passou a exercer violenta pressão sobre as terras das comunidades caiçaras. Muitos destes foram enganados e venderam suas terras a preços irrisórios, outros foram expulsos de suas praias; os que tentaram resistir tiveram suas casas incendiadas, havendo para estes duas alternativas: fugir para o sertão ou a tentativa de recomeçar a vida nas grandes cidades. A partir de então, o pescador se dedica mais a sua atividade, aprimorando suas técnicas e passando a explorar de forma mais intensa o mar de fora, suprindo as suas necessidades e as do mercado.

As comunidades distantes da estrada conseguiram resistir um pouco mais ao crescimento do turismo na região, mantendo por mais tempo seu modo de vida. O assalto turístico e a especulação imobiliária convertem os pescadores em prestadores de serviço e faz com que aqueles que não conseguem dar conta migrem para os grandes centros urbanos levando uma vida miserável.

A ocupação desordenada do litoral, o aterro dos manguezais e a poluição das águas causaram sérios danos ambientais. Perdendo a terra – diz Antônio Carlos Diegues -, os antepassados caiçaras e acuados pela pesca empresarial que em poucos anos esgotou os estoques de certos recursos marinhos. A sociedade caiçara veio a se desintegrar, vivendo nos limites da sobrevivência física. Os caiçaras começaram a depredar determinados recursos vendendo de acordo com a demanda do mercado. Conseqüentemente, aconteceu um processo de desorganização e desestruturação do modo de vida caiçara, abrindo espaço para a aculturação de valores urbanos.



1 Segundo o pesquisador e historiador Edson da Silva, existiu um sistema social do pescador nato até 1952, um sistema artesanal onde tudo era feito pela comunidade em forma de cooperativa. Todos trabalhavam para receber pelo rendimento da pescaria. O pagamento era feito em peixes, divididos proporcionalmente com todos os ajudantes. Denominados pelos pescadores como “camaradas”. O dono da rede e da canoa era chamado de mestre que retirava um terço do total da produção, o resto dividia. Antes da divisão, o mestre retirava os dois peixes maiores e mais bonitos e levava à porta da Igreja e após vendê-los, entregava o dinheiro ao padre. A esses dois peixes era dado o nome de “tara”, cada camarada levava sua parte denominada “quinhão”. Retirava-se o suficiente para o consumo do dia e a sobra era vendida ou salgada para conservar, pois não se possuíam refrigeradores naquele então.
2 O ser humano era coletor de moluscos no período anterior ao Neolítico; o anzol, por exemplo, foi inventado no final do Paleolítico, representando um grande avanço na pesca que possivelmente tenha sido de caráter lacustre e fluvial (Diegues, 1993).
3 A origem do nome caiçara em tupi quer dizer: “armadilha de galho”, talvez fazendo referência às casas e apetrechos da pesca caiçara que utiliza bambu e galhos.




OBS.....PROXIMA PARTE DESTE ESPECIAL SERÁ PUBLICADA NO DIA  27/JAN/2011....

A SER PUBLICADA  AS PAGINAS 118, 119 E 120  DO LIVRO

Sequencia deste capitulo....Parte do Livro UBATUBA . ESPAÇO, MEMORIA E CULTURA  ,  lançado em 2005, pode ser encontrado na Biblioteca Municipal de Ubatuba - Praça 13 de maio, 52 - Centro - Ubatuba ...

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