Minha tia, a Tiana Luiza tinha o único Motoradio do bairro, um trambolho de madeira ligado a um fio que estava ligado a uma haste segurada por dois bambus do lado de fora, um de cada lado da casa, mas ninguém perdia a radionovela “Juvêncio”.
Meu pai assim como outros são da época da “Mãe de Ouro”, período em que a manifestação cultural estava latente no cotidiano dos moradores, da simplicidade das coisas e da obediência a Deus e aos ciclos naturais que ele deixou. Dentre as causas naturais existiam os relatos de assombrações ou das “visagens” como eram mais conhecidos.
Meu pai que é do Araribá, conhecido também como Seu Dadau conta que toda a região já foi cheio de “visage”, quer seja de origem na pesca, na roça, nas festas, nas caçadas e até mesmo nas casas. Ele mesmo já presenciou fatos estranhos, algumas delas ainda o perturbam até hoje, dá até para escrever um livro.
Diz ele que lá pelas bandas do Dito Gil, havia uma fazenda da qual o dono era muito carrasco, muito perverso. O local possuía muito ouro enterrado do tal fazendeiro, que nunca ficou em paz, nem depois de morto. É que ele se preocupava muito com o que tinha, com os bens materiais. Dadau lembra que numa certa madrugada ia pelo caminho junto como seu irmão Salvador Jesuíno ao antigo engenho do Magalhães trabalhar. No caminho, ou melhor, na trilha os dois se assustam com a imagem de um homem de chapéu, calça e blusa grandes que ficou rindo na direção dos dois. Ele caminhava com aqueles passos altos e grandes, erguia a perna e vinha. Meu pai e meu tio tiveram como única reação se abaixar e caminhar por debaixo daquelas pernas. Ao se virar cadê o homem?
Ele nos conta que até o pai dele passou raiva com algumas visagens. Uma “visage” chata mais muito chata “estrovava” meu avô quando estava forneando farinha. Dizia que sem mais nem menos cadê o fogaréu que tava no forno? Ficava todo espalhado pra fora do forno. A assombração tirava todo o braseiro do forno de pirraça.
Além desse fato, na região também era muito comum ouvir coisas. Na época da radionovela muita gente virou noveleira de carteirinha. Era novidade para a época e só algumas poucas casas tinham este dispositivo. A pilha do rádio era aquela grande e os donos (senhores simples) pediam para o amigo da capital uma pilha que tivesse mais música do Zilo e Zalo, Tonico e Tinoco, imaginado que a música vinha da pilha e as crianças olhavam atrás do rádio tentando imaginar como toda aquela gente cabia naquela pequena caixa.
Minha tia, a Tiana Luiza tinha o único Motoradio do bairro, um trambolho de madeira ligado a um fio que estava ligado a uma haste segurada por dois bambus do lado de fora, um de cada lado da casa, mas ninguém perdia a radionovela “Juvêncio”. Ela morava a certa distância de nossa casa e para chegar lá tinham que andar por uma trilha por entre as arvores, além de uma pinguela sobre o rio Araribá.
Em noites escuras era necessário estar com o fifó (lamparina feita de bambu contendo um pano embebido de querosene para queimar) na mão e aceso. Todos os dias às nove horas da noite iam aquele monte gente à casa da tia, todos seguindo o fifó de meu pai, parecendo uma procissão no escuro. Numa dessas noites, quando acabou a radionovela ele ascendeu o fifó, se despediu da irmã e rumou pra casa, quando se aproximou do rio percebeu um som estranho, um barulho parecido à folha de zinco. De repente ele viu um pássaro grande sobrevoar sua cabeça e o barulho começou a aumentar. A certa altura o pássaro bateu com a asa no fifó que caiu no chão. A saída foi correr sem olhar para trás, mesmo assim ele era seguido. Perto de sua casa a coisa desapareceu. Bateu a porta de meu avô que o atendeu assustado vendo seu filho todo “atarantado”, depois desmaiou. Este episódio atormentou meu pai que nunca mais foi assistir a tal de novela no rádio.
Mal assombrado ainda era o morro do Gouvêa. Lá morreu este homem e muitos dizem ver seu caixão no meio do caminho à noite. Minha sogra já morou lá, durante o dia tudo bem, o problema era a noite, as panelas caíam, as portas batiam e assim por diante. Claro ela se mudou de lá. Na época todos rezavam para encontrar alguém no lugar de alguma assombração, hoje preferimos encontrar uma assombração a alguém, tamanho grau de desconhecimento entre as pessoas e a maldade que cada um carrega.
Isto é apenas uma parte das visagens que nosso povo presenciou ou ouviu, muito melhor do que as mentiras que contam hoje para desestimular estas pessoas só para ganhar alguma coisa em cima deles. Lembrete, cuidado quando a sua lanterna apagar ou a luz da rua acabar, esteja preparado!
Texto de :CRISTINA APARECIDA DE OLIVEIRA
WWW.MARANDUBA.COM.BR
Nenhum comentário:
Postar um comentário