or Alexandre Spatuzza — última modificação Aug 27, 2009 01:42 AM
Situada entre Ubatuba, cidade da qual faz parte, e o Rio de Janeiro, Picinguaba, que quer dizer refúgio dos peixes em Tupi, parece resistir à ação depredatória da modernidade. Banhada pelo oceano e guardada pelo verde da Mata Atlântica, a vila mantém a pesca familiar e artesanal da cultura caiçara e foi o lugar escolhido para um projeto turístico que, por respeitar a natureza e os as características locais, tornou-se tão economicamente viável que agora tem que crescer serra acima.
Foi este cenário lírico que encantou o francês Emmanuel Rengade quando, por acaso, começou a se emaranhar nos enredos da mata e nas histórias da comunidade local. Há quase uma década, deixou a condição de executivo numa multinacional para criar uma pousada ecológica lá mesmo, encravada na Serra do Mar.
Manu, como é conhecido, estava só de passagem. Formado em economia, administração de empresas e sociologia em universidades da França e dos Estados Unidos, tinha um confortável emprego numa empresa de energia elétrica. Viajando pelo Brasil, foi visitar Picinguaba.
Ficou tarde para voltar e ele precisou se hospedar por ali. A pousada onde dormiu, uma casa caindo aos pedaços, o encantou. Quinze dias depois, era dele. O emprego de executivo? Já era. E Ubatubaganhou mais um morador e a semente de um projeto de turismo que se integra ao meio ambiente e à comunidade local: a pousada Picinguaba.
Um interessante começo. Assim, o que era mais um aviso de pauta na caixa postal da redação da Revista Sustentabilidade virou curiosidade por uma experiência que poderia render uma boa história, baseada em informações úteis e fatos, funções de um jornalismo de qualidade.
A apuração da matéria revelou a consciência do trabalho desenvolvido no hotel, que começa na formação da equipe.
São cerca de 25 funcionários, todos arregimentados na vila. Além da capacitação, como francês e inglês para o pessoal de atendimento de frente, Manu se preocupa com a satisfação dos empregados no cumprimento das funções do dia-a-dia:
"Nós [normalmente] crescemos com a idéia de que vida e trabalho são duas coisas separadas", explicou. "É uma ilusão. O que você faz te determina. Procuramos, portanto, que o trabalho seja interessante, seja feito de aprendizagem. Um hotel onde os funcionários são felizes terá hóspedes felizes."
No início, Manu contratou os serviços de um biólogo, também francês, que deu assessoria nos processos diários da pousada.
"Ele ficou dois meses conosco, financiado pessoalmente por mim", disse. "Ele deu cursos para as pessoas da pousada e da ONG (APIS – Ação Picinguaba Sustentável) sobre como fazer uma fossa séptica bem feita, um forno solar, o conceito de banheiro seco e, mais que tudo, compostagem. Hoje, fazemos a compostagem com 70% do nosso lixo."
Quem gerencia a pousada é Humberto Guimarães, um mineiro de 46 anos que estudou gastronomia na França. Foi ele quem nos contou os detalhes cotidianos do empreendimento, que se sustenta no tripé do econômico, socialmente justo e ecologicamente viável.
"Da compostagem, conseguimos terra rica para os jardins e para a produção das ervas que são utilizadas na pousada", explicou. "Com o óleo da cozinha, fazemos sabão. Eu mesmo faço, aliás, e é um sabão de alta qualidade."
Beto, como é conhecido, disse também que acordos com fornecedores e a prefeitura viabilizam a redução não só geração de resíduos, mas também garantem que o que não pode ser reaproveitado seja reciclado ou, pelo menos, tenha um destino que não agrida a natureza.
As garrafas todas são retornáveis, inclusive as de vinhos, que o fornecedor reutiliza, e o lixo reciclável é encaminhado para a prefeitura de Ubatuba.
Beto explica ainda que na limpeza e faxina dos quartos só se utiliza materiais biodegradáveis e que a água da fossa é tratada quimicamente no local mesmo, enquanto não se implanta um sistema de tratamento e filtragem com plantas.
A filosofia transborda no relacionamento com a vila de pescadores.
Tudo o que é possível obter com a produção local é comprado ali mesmo. Todo o peixe, por exemplo, é fornecido pelos pescadores da região.
"Nós temos uma atitude favorável à cultura local, à comunidade, e ao meio ambiente”, disse Manu, descrevendo que há uma busca constante para melhorar o desempenho socioambiental do projeto. "Tudo que nós conseguimos encontrar no Brasil e em outros países que contribua para um mundo melhor, socialmente e ambientalmente, e que seja sustentável economicamente, procuramos implementar. Não é tão fácil como parece, mas já conseguimos 90% de onde queremos ir."
E Manu continua a sua Odisséia de sucesso, agora com apoio de investidores internacionais.
Como não é possível expandir a pousada de Pinciguaba, que já tem dez quartos para até vinte e quatro pessoas (e que ficam lotados cerca de oito meses por ano), Manu teve que investir em outro lugar: a Fazenda Santa Helena, na região de São Luiz do Paraitinga, subindo as ladeiras íngremes e florestadas da Serra do Mar, perto de Taubaté.
"Aproveitando a nossa experiência em Picinguaba, estamos reformando a Fazenda Santa Helena", explicou, revelando poucos detalhes dos arranjos financeiros. "Temos um projeto de agricultura de tipo biodinâmica, que vai abastecer os dois restaurantes. Já temos o nosso café, o nosso feijão, a nossa mandioca, o nosso queijo, tudo orgânico! O hotel ficará pronto daqui a 18 meses."
Manu diz que a simplicidade e conforto serão o foco, reproduzindo o ambiente em Picinguaba. Essencialmente, será uma reforma da sede da antiga fazenda de café, aproveitando o que já existe.
"Queremos mostrar que e possível fazer um projeto que una a sustentabilidade com muito estilo e qualidade", disse.
Por ser basicamente uma reforma, o valor não será alto e o dinheiro para a empreitada vem, segundo Manu, de investidores-amigos europeus que acreditam no sonho de construir um mundo viável econômica, ecológica e socialmente.
"Eles investirão porque confiam em mim, mas também porque querem participar desta aventura criativa. Muitas pessoas, agora, procuram investir naquilo que faz sentido para elas, não apenas para gerar retorno econômico”, explicou.
Manu não nos informou os valores do investimento, que ainda estão em aprovação, porque, segundo argumentou, não tem autorização dos sócios para divulgá-los.
Quando questionamos Manu sobre a relação entre os custos de um projeto sustentável e o lucro necessário para a manutenção de um negócio, ele responde com consciência de empresário e visão de cidadão: "A prática da sustentabilidade gera economia no negócio. Essa é a grande idéia. Tem que ser melhor e mais barato. Nem sempre é possível, os custos dos produtos de limpeza biodegradáveis, por exemplo, são muito altos. Mas, para nós, a economia tem que ser uma economia de todos, para todos. Não adianta ter uma solução mais barata para nosso negócio e jogar este custo para a coletividade."
E de onde vem essa motivação toda, indagamos.
"O meu objetivo com estes projetos, além de um estilo de vida pessoal, é comprovar que e possível fazer, no Brasil, empresas que são bem gerenciadas, independentes, que conseguem se sustentar e, ao mesmo tempo, gerar um círculo virtuoso para a economia local, a natureza, a comunidade e a cultura do lugar onde estão. Eu acredito que este é o modelo de desenvolvimento para o futuro do nosso mundo”, concluiu o francês de coração brasileiro e alma do mundo.
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