quinta-feira, 25 de novembro de 2010

UBATUBA 1936...Rumo à Aparecida do Norte

Rumo a Aparecida do Norte
Fotos como esta eram obrigatórias e comprovavam a visita das famílias a cidade de Aparecida do Norte.



Em 1936, promessa moveu moradores do Sertão da Quina a caminhar até Aparecida 

Pra quem vem ao bairro do Sertão da Quina a se aventurar aos banhos de suas cachoeiras, quase que obrigatoriamente tem de passar pela Rua Benedito Antonio Elói, onde seu trecho foi roça de mandioca, cana, frutas, plantas medicinais, bananal, onde se via muito “tendal de café” (local para secar café feito de madeiras rústicas como o tronco do palmito e de umbaúba).


O homenageado da rua era devoto de São Benedito, na sua casa de tapera eram realizados todos os anos as festividades em homenagem ao Santo, não faltavam era doces de mamão, quentão, concertada (bebida a base de canela, cravo, melado e um pouco de cachaça), fogueira, era uma festa entre compadres e comadres que serviam para estreitar os laços familiares. 

Ele também era chamado de “Tibitilói”, isto é, Tio Benedito Elói. Casado com Ana Soares tiveram quatro filhos: Maria Elói, Filomena Elói, Conceição Elói e Elói dos Santos, só que o casal também carinhosamente adotou mais um casal: Benedita Juliana de Jesus (a nossa Titia) e o moço Francisco que veio da Serra Acima acompanhado pelo Oliveira. 

Movidos pela fé, o casal havia pedido a intercessão de Senhora das Graças para que o casal tivesse um filho homem e que se realizado fariam uma caminhada até a cidade de Aparecida do Norte para batizá-lo. Como o casal tinha três mulheres, à vinda do quarto filho - um homem ajudaria muito o pai nos afazeres da roça.

A comadre Benedita Januária, que duas décadas atrás pode ouvir a Santa, disse que a Nossa Senhora das Graças atenderia o casal, de fato Ana Soares ficou grávida de um menino, após o nascimento mais que depressa deram inicio as preparações. Na época ser padrinho ou madrinha era coisa muita séria, já que a eles seria passada uma grande responsabilidade, na falta dos pais, assumiam os padrinhos. Por outro lado, na região os padres vinham apenas uma vez por ano, na época em que eles se vestiam apenas de preto. 

Após muita conversa foram escolhidos o compadre José Pedro e a comadre Joana Maria de Jesus (irmã de Ana Soares). Precisaram de mais de três meses para preparar a saída, ainda tinham que entregar a farinha, feita em seu próprio viamento, na venda do Benedito Ozório na Maranduba, outras sacas, amarradas com cordas de imbira passados por uma agulha de arame foram levadas nas costas até a Vila de Santo Antonio – Caraguatatuba.

Rumo a Aparecida do Norte
Ana Soares, a filha Conceição e Benedito Antonio Elói no quintal de sua casa no Sertão da Quina em 1952

Por conta da tecnologia da escassez, as mulheres tinham de preparar suas roupas para o grande acontecimento, com fazendas de chitas faziam vestidos novos, com sacos de panos as roupas para as crianças, preparavam a combinação (vestido íntimo de alça), levavam ainda o saiote de três marias ou anáguas em estilo reto. 

Depois de tudo combinado começaram a subir a serra, era 06 de maio de 1936, neste dia foram: o Zé Pedro, Geralda Justina, José Benedito Amorim, Januário Amorim, Benedita Januária, Pedro Rosa (que já foi mais de 15 vezes a pé para Aparecida), Pedro Oliveira, Generosa Amorim, Mané Pedro, Maria das Graças, Benedito Elói, Ana Soares, Elói dos Santos, Joana Soares, Francisco (adotivo), Maria Balbina, Elais Correa, Ana Correa, Manoel Francisco Brak e Sebastiana Tereza. 

Para matar a fome levaram os seguintes mantimentos: peixe seco, açúcar cristal, feijão, pó de café, sal, carne seca, biju, farinha pra sopa dágua, bolo de forno de farinha enrolado na folha de banana, colher, carne na gordura, farofa de torresmo, torresmo, frango assado na brasa, toucinho para assar no caminho, laranjas e bananas eram apanhados no caminho como complemento alimentar. Grande parte dos mantimentos era guardada em latas de banha e os sacos, que iam às costas, amarradas com imbira (casca de árvore), outros com timopeva ou imbé (cipó, um era duro e o outro maleável), para segurar as calças dos homens eram utilizados ainda fibra de bananeiras torcidas a mão como cinto. 

Para a segurança eram levadas espingardas do tipo “espera que já vou” ou também conhecida como “quarentinha”, cartucheiras de carregar pela boca calibre quarenta, ou alguma Henrique Laporte calibre 36, facões não podiam faltar.

Chegado o dia da caminhada, subiram pela Água da Preguiça, no caminho que vai para o Campo, chegaram as Palmeiras (bairro), descançaram e continuaram a caminhada. Chegaram as 6 horas da tarde no bairro da Fábrica (lugar de olarias, não existe mais) no entorno de São Luiz do Paraitinga, lá pousaram. 

As seis da manhã partiram em direção a Taubaté, por sorte conseguiram carona em um caminhão que transportava tijolos e chegaram a Taubaté ao meio dia, arrumaram as crianças, fizeram o almoço, os homens dormiram, já que para o pouso em lugar aberto os homens montavam guarda cuidando das mulheres, das crianças e dos mantimentos, só dormiam de dia no período do almoço que durava em média duas horas, quando não havia lugares prontos para pernoitar, tinham de abrir acampamento. 

O caminho a noite era iluminada por fifó (lanterna feita de bambu) e sempre em lugar próximo a água, claro que quem podia levava um lampião a querosene. De caminhão foram a Aparecida e lá, no dia 07, chegaram por volta do meio dia. 
Uma das primeiras providencias foi comprar um cavalo de lenha, isto mesmo, um cavalo que puxava uma carroça e conforme o valor da paga vinha um número de lenhas para usar nos fogões. Na época a cidade não tinha mais de 100 casas e hotel, quer dizer pensão, era artigo de luxo, então o jeito foi dormir nos lugares de acampamentos e utilizar as dezenas de fogão que ficavam a disposição dos romeiros. Enquanto os adultos se arrumavam as crianças não perdiam nenhum detalhe, eram lá que muitas delas viam pela primeira vez uma maçã, por exemplo, viam também tomate, pimentão, brinquedos, macarrão, carne moída, as lâmpadas nos postes, “máquinas de tirar retratos” e o que mais chamava a atenção na época eram os “pé de gato”, nada mais eram que os avós do tênis que calçamos hoje, era um calçado feito de lona na lateral e o solado era de fios de cizal tão bem trançados que guardavam os pés confortavelmente. Rapidamente os pais e padrinhos de Elói foram até a igreja velha e marcaram para o dia 08 às 14 horas o batizado. Chega o grande dia e até banho demorado tomaram, pela manhã foi uma mistura de café com almoço, já que temiam perder o horário para o grande acontecimento.

Rumo a Aparecida do Norte
Tibitilói, esposa e familiares em frente ao tendal de café no seu quintal

Às 13 horas daquele dia se juntaram a outros que vieram para o mesmo motivo e uma hora depois o padre estava batizando Elói, tudo conforme havia relatado a comadre por intermédio de Nossa senhora das Graças. No dia nove pela manhã a tristeza dos pequenos, hora de partir. As crianças sabiam que a volta a Aparecida ia demorar muito, a vinda pro Sertão foi mais rápida e não menos cansativa, porém o alivio de ter cumprido a promessa deram a este povo simples uma nova missão e muito mais responsabilidades. 

A chegada foi na tarde do dia 11 de maio de 1936, a vizinhança já os aguardavam e queriam saber das novidades, os mais velhos foram ver Elói. Para Maria Gaspar dos Santos, 81, “foi uma festa linda, eu era afilhada de Benedito Elói e não saía da casa dele, ele me queria muito bem e eu ficava quase a semana inteira na casa dele”. Pedro Oliveira, 75, ainda vivo, conta que quase não lembra de nada, até porque tinha apenas um ano de idade e foi no colo da mãe, mas lembra do que a mãe contava, segundo ele a prova é a foto que encontra-se na casa que era do “papai”no Sertão do Ingá em que está no colo da mãe tirada nos dias em que a comitiva esteve em Aparecida. Já Manoel Brak lembra é das bagunças que faziam pelo caminho, davam trabalho aos mais velhos, já que eram crianças. Já José Benedito Amorim, 86, era o maior das crianças, na época com doze anos, Amorim emociona-se ao falar da mãe Benedita Januária e da caminha realizada há mais de 70 anos, principalmente das pessoas que ele “queria bem”. 

Elói morreu de sarampo e seu pai de complicações do coração. Conceição a única viva conta que, na Santa Casa de Caraguatatuba, quando deu a luz ao filho José Braz, o pai a havia visitado e depois faleceu. A afilhada Maria Gaspar lembra de que quando deu a luz ao filho Adilson ela havia recebido a notícia de que o padrinho havia falecido, ainda convalescente fez questão de despedir do padrinho, ao vê-lo morto emocionou-se e voltou para o quarto, ela lembra ainda que ele estava fazendo gaiolas com canivete no hospital para passar o tempo e a última gaiola ele não chegou a terminar, seu coração parou antes. 

Atualmente todos os anos centenas de pessoas realizam a caminhada a pé para a Aparecida, esta demonstração de fé reforça não só os laços da religiosidade deste povo, mas também os laços culturais e saber que muitos de nossos antepassados já o faziam, não por opção, mas por maior devoção e por necessidade, já que não havia outra forma de ir ao Vale do Paraíba senão a pé. 

Para os moradores a perda de Benedito Elói foi enorme, a família perdeu seu pilar mais frondoso, a história perdeu mais um ícone da cultura caiçara e as festas não foram às mesmas depois de sua partida. Embora reconhecido, muitos ainda acham que o nome da rua ainda é pouco pelo que este homem representou para a comunidade e que, por unanimidade, não se fazem mais homens como antigamente, alguns como Benedito Antonio Elói.



EZEQUIEL DOS SANTOS






Nenhum comentário: