Estava marcada a entrevista com Antonio Peres para a segunda quinzena de julho. Apesar da enorme simpatia e nenhuma resistência em receber a gente para conversar, o velho Peres alegou motivos de força maior para ausentar-se e foi embora, atendendo pedido do Criador. A entrevista foi cancelada.
Rebusquei meus arquivos e achei um texto publicado em dezembro de 2005, com informações do ilustre morador da praia do Lázaro, aos 95 anos de idade. “Isso aqui era como uma aldeia indígena, longe de tudo. Ninguém entrava nem saía. Por que não estudei? Naquele tempo não tinha escola no bairro. A gente ia do bairro até a cidade a pé, as crianças morriam de ataque de bicho (verminose) e os mortos eram carregados na rede até o cemitério do centro”, diz.
Sempre tranquilo, esbanjando lucidez e, no intervalo da conversa, dando ordens para empregados e interrompido pelo carinho dos netos, fala de sua vida como uma pessoa satisfeita com tudo que conseguiu. “Não tenho do que reclamar, tudo que construí foi com dificuldades, pois não havia dinheiro. Aos 18 anos fui para Santos trabalhar na lavoura de banana. Era a única opção de emprego e para lá ia a moçada de Parati, Ilhabela e São Sebastião. Durante a Segunda Guerra a exportação de banana foi suspensa e o pessoal foi despedido. Voltei para o Lázaro para viver da pesca. O lugar da casa e do comércio (bar e pousada) era posse da minha mãe. A pesca era principalmente de cação, deixado ao sol para secar. O peixe salgado, prato mais típico da culinária caiçara, fazia sucesso tanto na mesa do morador como do turista. A maioria das pescarias era com rede de arrasto na Praia Grande da Ilha Anchieta. Por que tão longe?”
“Lá tinha mais peixe”, diz. “Tivemos ‘redada’ com 5 toneladas de corvina e não é história de pescador.” Peres fala das pescarias à noite na ilha, a beleza do luar, estrelas e os causos de assombração com lobisomem no papel principal. Seu pai, Manoel Peres, nasceu na Ilha Anchieta e, quando foi iniciada a construção do presídio, no final do século passado, recebeu uma pequena indenização para deixar a ilha e morar na Praia do Flamengo. Festeiro de primeira hora não perdia o bate-pé (chiba e outras danças) das festas de Santo Antonio, São José, São Pedro, Folia de Reis e Espírito Santo. O antigo bar, hoje restaurante, permitiu conhecer pessoas e construir amizades. Cita o deputado Hamilton Prado, jogadores como Rivelino, Careca, Zetti e o ex-prefeito Ciccilo Matarazzo que passaram por ali e ficaram amigos. Lembra, em especial, do comerciante Silvino Teixeira Leite e as viagens de fusca que ambos faziam até São Sebastião, com direito a medos e desafios da estrada para, finalmente, chegar até a agência do Banco do Brasil. Pela narrativa parece que a viagem era muito divertida.
Nascido em 3 de abril de 1910, na Praia do Lázaro, autodidata, casado com Maria Thomé, teve 7 filhos: Antonio, Osmar, Ademir, Ruth, Josué, Edson e Carlos, além de 22 netos. Sua história é a história do Lázaro. No final do ano, quando as praias brilham com a queima dos fogos de artifício, lembra que o Lázaro foi o pioneiro neste tipo de comemoração. “Tudo começou quando a gente queimava pistolões e foguetes defronte ao nosso bar. Depois da primeira vez não parou mais”, afirma.
Pode deixar, Seu Peres, a gente vai ver sua cara alegre e iluminada pelos fogos toda virada do Ano Novo.
“Peres dignificou a vida e por ela foi dignificado. Foi aí que firmei ainda mais a idéia de que a vida tem sempre que ter duas mãos, isto é, quando é algo que vale a pena. Ela, a vida, exige sempre parceria boa. Aí ela se completa. É essa coisa de dar e receber, com sabedoria. É quando ela é grande. “Seo Peres” ou, simplesmente, o Peres, não foi enterrado. No dizer de Saint Exupéry, pessoas especiais “são semeadas”. Eu acrescentaria: não se despedem; ficam entre nós, para sempre, aqui e ali, dentro do melhor de nossas lembranças.” diz Pedro Paulo Teixeira Pinto
Escrito por Celso Teixeira Leite
08 Setembro 2010
fonte : WWW.UBATUBAEMREVISTA.COM.BR
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