Em 20 de junho de 1556 um alemão aventureiro e viajante compulsivo, dedicou ao “glorioso” príncipe de Hessen um fantástico relato de suas aventuras, decorridas principalmente em terras brasileiras: A História Verídica que descreve uma terra de selvagens nus e comedores de seres humanos, que se situa no Novo Mundo da América, etc. Seus escritos estão mais de acordo com a visão pessimista européia do Novo Continente: índios em que ninguém pode confiar, torturadores, traiçoeiros e canibais. Era uma descrição tão insólita para os europeus daquele tempo, que por muitos foi considerada um amontoado de mentiras. Após muitas peripécias, contadas em tom de tragédia, mas que freqüentemente deixam o leitor atual à beira do riso, os escritos de Staden nos dão informações interessantes sobre as relações entre nativos, portugueses e franceses.
Capturado pelos tupinambás perto de Bertioga, logo entendeu que eles o queriam maltratar. “Nisto me levaram para a cabana onde tive de deitar numa rede e mais uma vez vieram as mulheres e bateram em mim, arrancaram meus cabelos e mostraram-me como pretendiam me comer...com os pés atados desta maneira tive de pular pela cabana. Eles riam e gritavam: lá vem a nossa comida pulando...Deram voltas em torno de mim ...um deles disse que o couro da cabeça era dele, um outro que a minha coxa lhe pertencia...(eles) preparam uma bebida de raízes que chamam de cauim... Somente depois da festa é que matam (os prisioneiros, para os devorar) ...”
Não satisfeitos em ameaçar devorá-lo, mantendo-no sobre forte tensão, os índios levaram-no para Ubatuba onde tinham estabelecido sua aldéia. Com freqüência obrigando-o a assistir a rituais antropofágicos. Em determinada oportunidade, sem que se saiba o porquê de tal decisão, fizeram-no ir à aldeia de Tiquaripe, nos arredores de Angra dos Reis, obrigando-no a assistir a uma cerimônia no qual o ibirapema, o mestre das execuções, escolheu um dos inimigos aprisionados para ter a sua cabeça por ele esmagada. Os membros da tribo, já meio embriagados e muito exaltados, cercaram o cadáver, despedaçando-o e o devoraram em seguida.
Após inúmeras aventuras, que lembram as narrativas dos romances da Idade Média, o viajante alemão acaba por escapar, voltando à terra natal para contar suas aventuras aos incrédulos compatriotas.
Interessa, porém, observar, no que toca ao livro de Staden, as precauções que ele tomou na Alemanha para que acreditassem nele. A Europa do século XVI, o grande século das navegações, estava cansada de ler ou ouvir relatos cravejados de mentiras e absurdos diversos.
A tal ponto tinham chegado as coisas, que Rabelais, o grande satírico francês, fazendo mofa do livro do padre cosmógrafo André Thévet (Singularitez de la France Antarctique, 1558), decidiu-se inserir na sua obra (Gargantua e Pantagruel, 1564, Livro V), dois capítulos denunciando, pelo riso, o disparate das visões mentirosas que alguns viajantes tiveram no inexistente “País de Cetim”. Criou, também, como símbolo desses mitômanos, um personagem-caricatura, o “Ouvi-dizer”, que, apesar de ser um velho, corcunda e paralítico, tendo a língua esfacelada em sete pedaços, narrava, com um mapa-múndi aberto à sua frente, as suas impossíveis aventuras para uma multidão de crédulos. Eram histórias de unicórnios, de mantichoros com corpo de leão e cara humana, de cabeçudíssimos catoblepos de olhos venenosos, de hidras com sete cabeças, de onocrotalos que imitavam gritos de asno, de pégasos, e de tribos de seres com cabeças de pássaros, ou até mesmo com duas cabeças, de povos fabulosos que andavam apoiados nas mãos, com as pernas balançando no ar!
Querendo, pois, evitar ser chamado de embusteiro, Staden, além de banir do seu relato qualquer menção à zoologia fantástica, pediu a um conhecido seu do Hesse, um tal Dryander, que assegurasse a veracidade do conteúdo do livro. Staden, “ébrio de um sonho heróico e brutal”, viera a dar com os costados no Brasil para satisfazer seu gosto pela aventura, para ver de perto as maravilhas que escutara na Europa sobre o Novo Mundo descoberto. Foi na sua segunda viagem ao Brasil (na primeira ele conhecera Pernambuco) que Staden naufragou nas costas do litoral fluminense. Por saber lidar com canhões, os portugueses, que o acolheram muito bem, promoveram-no a artilheiro do Forte de Bertioga.
Nota: As aventuras de Hans Staden renderam no Brasil um filme longa metragem (dirigido por Luiz Alberto Pereira) e algumas edições de livros, entre as quais sugerimos Hans Staden, tradução de Angel Bojadsen, introdução de Fernando A. Novais, Editora Terceiro Nome, São Paulo, 1999.
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