quarta-feira, 26 de maio de 2010

ESPECIAL MEMORIA CAIÇARA : Festas não religiosas

Iaiá e Ditinho apresentam o “Boi Canarinho” na Praia de Itamambuca, Ubatuba. 1989
(foto: Kilza Setti)

Num país em que o catolicismo é definido como religião oficial, é natural que festas e situações de lazer sejam de inspiração religiosa. Estas se mostram predominantemente alimentadas pela tradição e iniciativas populares, ainda que com apoio de instituições como a Igreja e órgãos públicos.

Já em manifestações não religiosas, festivas e de entretenimento, as políticas públicas se fazem sentir na organização de festividades ligadas ao turismo, esporte, datas cívicas e em mostras de expressões artísticas em geral. As ações das secretarias de cultura, esporte e turismo, muitas vezes ligadas a interesses econômicos, são voltadas à promoção de eventos e situações festivas que se estendem ao longo do ano. Essas iniciativas de cunho oficial determinam o calendário de festas e, algumas vezes, ao deslocar datas e canalizá-las para as temporadas de verão, assumem o controle das antigas festas tradicionais e promovem outras. Algumas manifestações tradicionais são incorporadas pelo poder público, tais como corridas de canoas, apresentações de conjuntos musicais e festivais de viola; outras são novidades, algumas vezes inspiradas em costumes caiçaras, tais como as festas ligadas à gastronomia caiçara, apresentação de grupos de seresteiros, festivais de canções ou concursos de marchinhas de carnaval. Há também as festividades de iniciativa eminentemente oficial, como as comemorações de aniversário das cidades, as apresentações das bandas municipais ou de grupos de teatro, de dança, de capoeira, dentre outras.

Há expressões da cultura não religiosa que permanecem vivas, mesmo sem apoio oficial. No entanto, em certas circunstâncias, são utilizadas como atrativo, como produto curioso, exótico, para mostra em eventos oficiais.

Além das manifestações já mencionadas - congadas, moçambiques, Folias de Reis e Divino, e outras festas calcadas na devoção aos santos - que, se exibidas em cidades, atraem público, também o carnaval promove brincadeiras de rua. Outras manifestações ocorrem em datas já determinadas, como é o caso dos blocos de foliões, dos mascarados – à margem dos desfiles de escolas de samba - do caiapô, dos folguedos do boizinho em suas múltiplas variantes, das malhações de judas, da marujada, da semana de `caiçarada´ e do`Raloim´, que deu origem ao dia do saci, em Ubatuba.

A expressão máxima da música e da dança caiçara é o fandango, também denominado função ou brincadeira, que reúne um conjunto de danças que, em geral, se apresentam em forma de suíte, a exemplo das danças européias de salão, nos séculos 18 e 19. É importante destacar que a palavra fandango apresenta múltiplas significações na península ibérica e nos países da América hispânica; da mesma forma, no Brasil, seu significado no litoral sudeste e sul difere daquele do nordeste, em que indica um auto dramático.

Há uma infinidade de pequenas danças que geraram formas musicais coreográficas, praticadas ainda nas cidades e vilas litorâneas, desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul. É conhecido o movimento migratório de Portugal do ultramar (sobretudo Madeira e Açores) para o sudeste do Brasil. Natural que os repertórios insulares portugueses fossem aqui adaptados à realidade brasileira e tivessem vida e fisionomia próprias. Muitas danças conservam ainda seus nomes portugueses, dentre outras: canaverde, chamarrita, ciranda, serrabalha, querumana, manjericão, marrafa, sinhaninha, tirana e vilão de lenço. Algumas ganharam preferência entre nossos caiçaras, tais como: canoa, caranguejo, panela de arroz secô, peixinho do mar, tontinha, tira o chapéu, anuzinho, ubatubana, galinha morta e curitibana. Há, ainda, danças ditas valsadas e as rufadas, que incluem sapateado e palmeado. Dessas últimas, o xiba ou batepé é o mais comum em festas e ainda encontrado em pleno vigor, com a função de abertura nas noites de fandango. Já em madrugada alta, tocam o `recortado´ e ao raiar do dia, dança-se a tontinha para encerrar a festa. Todas as danças do fandango incluem, além das vozes e das violas, o pandeiro e, eventualmente, um cavaquinho e um violino.

Curioso notar que, muitas vezes, comemorações religiosas como a dança de São Gonçalo ou as Folias de Reis e Divino, terminada a parte sagrada, desencadeiam a seqüência de danças de caráter profano, que encerram a festa – e, nos últimos anos, após as danças caiçaras, a festa pode até terminar em baile, ao som de equipamentos eletrônicos. Mesclam-se, assim, sagrado, profano, antigo e novo, mas o que está presente é a fantasia, o “homo ludens”.

Apesar de existirem, ainda neste início de século 21, bom número de velhos e até jovens dançadores, verifica-se que, nos encontros musicais em que não há dançadores suficientes, o conjunto vocal / instrumental mantém vivas as formas musicais das danças, independentemente de se praticarem ou não suas formas coreográficas.



FONTE :

www.memoriacaicara.com.br/caicara2.html

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