Por estas e outras razões, Aimberé não confiava nos padres intercessores da paz, que deveria ser selada na aldeia de Iperoig. Anchieta sabia que o líder da Confederação estava à par do seu jogo e temia a fúria daqueles chefes índios que os haviam deixado em cativeiro.
A primeira assembléia da Confederação foi tumultuada, as queixas contra os portugueses eram: atrocidades, traições, incêndios, intrigas e capturas de índios tratados a ferro de escravos. A voz de Aimberé fez se ouvir em toda a aldeia de Iperoig: “A libertação de todos os Tamoio escravizados e a entrega dos caciques que se haviam unido com os inimigos”. Os jesuítas não aceitaram a proposta e Aimberé os ameaçou com o seu “tacape”. Segurado pelo braço, o grande chefe Aimberé, tumultuou a sessão que encerrou sem nenhum acordo de paz. Nóbrega propõem uma nova assembléia, mas os índios encontravam-se divididos: uns queriam a paz, outros a continuidade da guerra que começaria com a morte dos padres.
Enquanto esperava pelo desfecho de sua missão, Anchieta escreveu nas areias da praia de Iperoig, o célebre poema à Virgem Maria, segundo conta a lenda . Sentimentos e superstições, costumes e perfis indígenas são descritos em figuras e episódios nas Cartas de Iperuig, sob a forma de poema laudatório da Virgem - De Beata Virgine Dei Mater Maria, composição de 5.902 versos ou 2.950 e um dístico. A respeito da natureza desse poema, se foram efetivamente escritos na areia da praia, nos parece algo de menor importância, o relevante sim é a caracterização das circunstancia em que este foi concebido. O ritmo bárbaro da atmosfera do poema é um elemento de luta da inteligência e da fé sobre o instinto, transparecendo muitas vezes a angústia do conflito que motivava a narrativa do evangelizador.
O isolamento de Anchieta em Iperoig fez com que este prometesse à Virgem Maria, compor o poema de sua vida, com o fim de vencer as tentações da carne. Papel, tinta e pena, foram ministradas por José Adorno. Mas, nos momentos do cativeiro, o ambiente era tenso e inóspito para o religioso atormentado com os fantasmas da guerra .
Celso Vieira descreve que Anchieta sem buril concebeu no ermo, idealizando em versos latinos e elegíacos esse poema à Virgem para sobreviver ao instante genésico e fugaz do cativeiro, o apóstolo só contava, portanto, com a sua memória afetiva comprometida com os exercícios espirituais de sua Ordem. A lenda diz que não tinha mais do que a areia molhada pelas ondas, batidas pelo vento para escrever. Preferimos pensar que se trata de uma composição realizada com o tempo, nesse clima de cativeiro e que talvez as praias de Iperoig tivessem servido de esboço para esses rascunhos idealizados no retiro espiritual em que Anchieta se encontrava.
Junto do mar, um dia – conta Vieira -, ele traçou na fimbra espumante e arenosa o verso inicial do poema: “Eloquar? Na silean, sanctissima Mater Jesu?” Falar ou emudecer? Anchieta oscilava entre a ação ritual e a mística da fé que inspirava seu canto.
Tu mihi cum chara sis única Prole voluptas,
Tu desiderium cordis, amorque mei.
Desta forma, o jesuíta desdobra os motivos do primeiro canto que passaremos analisar, de acordo com o contexto no qual Anchieta está inserido: um cativeiro onde as lutas entre corpo e espírito, configuram a saga do desejo.
O primeiro canto leva o nome: De conceptione Virginis Mariae. A concepção de Maria antecede a modelagem da criação. É interessante mencionar aqui que o espírito mariano da maioria dos espanhóis encontra na figura feminina de Maria uma tabua de salvação .
Continua......
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