domingo, 4 de novembro de 2007

JORGE FONSECA 100% CAIÇARA - Última parte

Jorge Fonseca lembra que o carnaval era realizado na maioria das ruas do centro e o corso parava em frente de casas que pediam. Até o Hotel Felipe marcava a presença dos blocos carnavalescos que desfilavam pelo local onde mais tarde seria a Avenida Iperoig. Bares convidavam o bloco do seu Jorge a tocar no local e também no antigo Hotel Atlântico. A alegria era tanta que as pessoas amanheciam nas ruas , pura diversão, sem perigo e sem maldade. Ele relembra dos blocos “os mascarados” que anunciavam o carnaval a partir das duas horas do primeiro dia, domingo, fantasiados de forma assustadora.. Eram sacis, caveiras, fantasias de vermelho imitando o diabo, personagens que corriam atrás das crianças para assustá-las. A partir das dez da noite, alguns se vestiam de morte e saiam fantasiados de caveiras, carregando foices. O último dia era na terça-feira, respeitando a quarta-feira de cinzas quando religiosamente, nenhuma alma viva saia às ruas em sinal de sacro respeito.

Jorge Fonseca era um grande carnavalesco, chamado de mestre, levava a sério os ensaios e as marchas que eram escritas por ele, por exemplo a marcha “Pela primeira vez”, entre outras de sua autoria. Ensaiavam em um mês e meio e o numero de pessoas era de 70 integrantes fantasiados. Sua esposa, Dona Celina ficava responsável por sua fantasia pronta e no cabide, depois ela poderia confeccionar as outras, atravessando, para isso, noites em claro. Os ensaios aconteciam em salões emprestados como no Ateneu, perto da igreja Matriz que foi liberado pelo Padre João. Em outros anos, tais ensaios foram no salão de Dona Idalina Graça: “As de Ouro” e “O boêmio de ouro”.

Eram realizados campeonatos entre os blocos, disputas que davam prêmios em dinheiro e troféus recebidos das mãos do Matarazzo, quando prefeito. Jorge Fonseca diz que todos os anos tirava blocos nos carnavais da cidade, entre os anos de 1940 à 1972. Depois parou, viu que não era mais a mesma coisa, que as pessoas começaram a querer bagunça em vez de diversão sem violência. No início dos anos oitenta, ele volta atendendo ao convite de seu compadre e amigo Toninho Marques, sendo esse o último de seus carnavais frente a um bloco de rua. O bloco foi o “Pé de Cana”, onde as pessoas em uma fantasia muito simples, feita de saco de pano, empunhando uma ponta de cana em folhas pulavam descalços pelas ruas do centro da cidade relembrando décadas anteriores de sua juventude carnavalesca. Jorge Fonseca termina a nossa entrevista falando sobre os carnavais antigos de Ubatuba, lembrando nomes de pessoas da época que tiravam blocos: Mane Raé (Moçambique), Joaquim Rita (Banda Cipó), João Vitório (Dança da Fita); Antonio Argeu (Dança do Bugre) e Dona Maria do Paulo (Dança Sempre Viva), estes os mais antigos. A partir dos anos 40, quando ele começou junto com Bibaco, Ditos Roque, Evaristo, Jonas, Antonio Barbosa, Bideco, Cacareco, Emílio, Miguel Argel, Zé Graciano, Quinzhinho, Virgínia, Benedita Efigênia, Maria di Bê, Catarina, Iracema entre outras pessoas que vinham, inclusive de outras cidades.

Os enunciados do discurso de Jorge Fonseca são signos de uma realidade que dialoga o tempo todo com o passado, de forma imediata e prática. A revitalização do entrevistado parece vir de sua voz, meio pelo qual ele se transforma em protagonista principal da história. As palavras assim cobraram vida e nos envolveram. As palavras percorreram todos os domínios, costurando as informações sobre as origens de sua família, sobre seu trabalho e sobre o carnaval no qual ele era festeiro. Esse saber do cotidiano parece ser, na a concepção caiçara essencial à própria existência, centro de organização de toda a fala de Jorge Fonseca, assim como de todos os entrevistados, é a expressão do interior e do exterior, situada no âmago do meio social do qual o caiçara faz parte. Ele é o espaço privilegiado dessa dinâmica humana em que o ser constrói e se desconstrói no cotidiano, lugar onde penetram os meios de comunicação.

TEXTO EXTRAÍDO DO LIVERO : " Ubatuba, espaço, memória e cultura " , dos autores Juan Drouguet e Jorge Otávio Fonseca.

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